Bombos e caixas nicolinos, foto de Guimarães2012 |
No jornal Independente
de 8 de Dezembro de 1901, foi publicado um texto sem assinatura, mas escrito por João de Meira, em que fala das festas dos estudantes de Guimarães a
S. Nicolau, da sua história das suas tradições e de certas práticas que, por o
autor as considerar anacrónicas e perturbadoras do sossego público, deveriam ser banidas. Aqui fica:
S. Nicolau
Entre todas
as manifestações da actividade humana, nem uma só existe, por mais
insignificante, que seja, desprezível como elemento subsidiário para o estudo
de uma raça ou de um povo,
Do seu
começo nada se sabe, mas nos princípios do século passado (data do estatuto que
as regulamenta quase como hoje se efectuam) eram já classificadas de
imemoriais.
Se os traços
grosseiros de um fragmento de argila permitem avaliar o estado da civilização
de uma antiga tribo, se as gravuras de almanaques e de toda a literatura de
cordel medem bem a compreensão artística de um povo, é fácil também, para um
espírito medianamente ilustrado, aquilatar o grau de intelectualidade dos
estudantes que aqui frequentaram latim há cem anos, pelas usanças das festas de
S. Nicolau que a academia actual herdou de seus antepassados sem sensíveis modificações.
Do seu
começo nada se sabe, mas nos princípios do século passado (data do estatuto que
as regulamenta quase como hoje se efectuam) eram já classificadas de
imemoriais.
Vindas assim
de longe, no rigorismo das exclusões e na severa pena aplicada aos intrusos (um
banho de choque em Dezembro) está se lendo o espírito intolerante dos tempos
absolutistas.
Hoje, uma
corporação ameaçada por elementos estranhos de perturbações na celebração das
suas festas pediria o auxílio da polícia e não se arrogaria na qualidade de ofendida
o direito de juiz e algoz.
Mas da
severidade da pena uma outra verdade ressalta com nitidez e vem a ser que as
festas naquele tempo eram tidas como coisa de subida importância, nem de outro
modo se explica que alguém se arriscasse a intrometer-se nelas fraudulentamente.
Se a cerimónia
da entrega das maçãs não é do século XVIII, nem do século XX, porque é de todos
os tempos, dada a constituição do nosso organismo e a necessidade fisiológica
do amor, já a cerimonia dos motes teve de terminar como inteiramente incompatível
com a nossa época e só realizável no tempo dos abadessados e nas arredadas épocas
em que Tadeu Luís António Lopes de Carvalho da Fonseca e Camões reunia em honra
do arcebispo D. José, os dois maçudos volumes do Guimarães Agradecido.
O espaço
escasseia-nos para divagações, mas estamos certos de que analisadas com
cuidado, as festas diriam muito neste sentido, sobre os costumes antigos da
nossa cidade.
Respeitáveis
como tradições inofensivas e alegres, há nelas, todavia, duas coisas que bom
seria eliminar: O rapto das tabuletas e o rufar de tambores ante-manhã.
Geralmente
aqueles que um grande entusiasmo impele não podendo dormir, julgam-se no
direito de não deixar descansar os outros; e assim, em dias de santo mais
reverenciado, somos acordados ao romper da alva por estrepitosas salvas de
bombas reais, e assim pela quaresma devotos zelosos badalam pelas ruas uma
sineta rachada, estremunhando as famílias e chamando os fiéis à penitência das vias-sacras.
Os estudantes
não deviam pois, arregimentar-se com estes perturbadores, tocando bombo
desabaladamente pela madrugada, nem deviam também, com o roubo das tabuletas,
desrespeitar a liberdade alheia, quando com tão severas penas pretendem
conservar a própria liberdade.
Independente, Guimarães, 8 de Dezembro de 1901
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