João de Meira escreveu um poema em que evocava a memória de Francisco Martins Sarmento, que constitui um magnífico exemplo do respeito, quase veneração, que o arqueólogo vimaranense despertava naqueles que o conheciam.
À
MEMÓRIA DO
Dr. Francisco Martins Sarmento
Morres tu; mas a ideia que deixaste
Não morre, como a luz em fim do dia.
Nem o fogo do céu que em ti ardia
Nem o exemplo sublime, que legaste.
Antero de Quental.
Ao longo do caminho extenso,
ingrato e duro,
Que já vem do Passado e vai
para o Futuro;
Nessa estrada sem fim, tão
negra, tão sombria,
Que nunca viu o sol brilhante do
meio-dia,
Levantam-se, por vezes, grandes
lampadários,
Como em via romana os marcos miliários.
Põe manchas de luar na
tenebrosa estrada
A luz que deles vem, tão branca,
imaculada.
São quem sustenta o facho dessa
luz adiante
São os sábios erguendo, em meio
do escuro,
A luz, que há-de guiar os homens ao futuro.
Desfilam no caminho as
multidões serenas,
Cantando alegremente umas
canções amenas,
Rescendentes de amor, de paz e
de branduras;
Desfilam no caminho as
multidões guerreiras,
Num altivo tropel, com elmos e
bandeiras,
Inda tintas de sangue as rudes
armaduras;
Desfila no caminho a multidão
dos crentes,
Erguendo para o céu as orações
ferventes,
Em contorções de dor, em gritos de agonia;
E os sábios colossais, quietos,
impassíveis,
Banham as multidões, serenas ou
terríveis,
Na fulgurante luz de inigualável
dia.
A turba
passa; e já na volta dessa estrada
Pára lançando ainda um
derradeiro olhar,
Com um sorriso doce, à luz
abençoada,
Cujo brilho infinito em si há-de
guardar.
Vai nesse olhar do Povo o júbilo
sem fim
De quem andou na treva, a caminhar
vergado
E quando já desmaia vê surgir,
alfim,
Um grande sol radioso, o sol tão
desejado;
Vai nesse olhar do Povo a
gratidão eterna
Do pária acorrentado à dor, sem
piedade,
Como um boi arrastando a nora
da cisterna,
Para aquele que vem a dar-lhe a
liberdade.
Vai nesse olhar do Povo um raio
de coragem,
Que gera pelo mundo os feitos
imortais;
E os sábios colossais ao longo
da viagem
Aceitam esse olhar e não
desejam mais.
Sabe-o já muito bem a lívida
gentalha,
Sabe-o já muito bem o povo
desgraçado,
Que acima dos heróis no campo
da batalha,
A quem não intimida o grito da
metralha,
Os sábios imortais têm seu
legar marcado;
Porque eles vêm de longe a
trabalhar no escuro,
Deixando após cair as suas
invenções,
Que pouco a pouco vão formando
um grande muro
E que hão-de ser, depois, em
tempos do futuro,
Uma torre sem par de vastas
dimensões!
Ante o sábio já morto, aos
homens como nós,
Gotas de água perdida, ao pé de
um grande mar,
Não é lícito erguer, bem alto a
sua voz.
Senão para dizer: “Bendito sejais
vós!
E a terra aonde estais agora a
descansar
Seja-vos leve e doce; a terra,
a boa amiga,
À qual durante a vida andastes
a arrancar
Os restos colossais de uma
cidade antiga.
João de Meira.
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