S. Nicolau |
Em 1844
houve dois pregões. Um, escrito por Pereira Caldas, não teve pregoeiro. O
outro, saído da pena do Cónego António de Oliveira Cardoso, foi declamado por…
dois pregoeiros. Um, António Joaquim de Almeida Gouveia, dando a voz à deusa
Minerva, leu os seis primeiros versos. Os restantes (102) foram ditos por
Inácio Luís Pereira do Lago, encarnando a figura de Mercúrio, o deus
mensageiro.
O pregão anunciava
a festa do dia seguinte, em que os estudantes quentinhas, a pelar, darão castanhas e se exibirão em farsas de escangalhar de riso e numa dança militar.
Bando
Escolástico - 1844
MINERVA
Queridos
filhos meus, que a doce vida
Gastais em
me adorar no templo honroso,
Hoje férias
vos dou à dura lida,
Para
entregar-vos ao recreio, ao gozo.
Mercúrio em
sons facundos anuncia
O festejo, o
prazer do excelso dia.
MERCÚRIO
Ò pátria, ò
Guimarães, ò flor mimosa,
Que toda te
apavonas orgulhosa
De acalentar
de Lísia o rei primeiro,
Que os reis
maravilhou do mundo inteiro.
Viste o
entrudo assomar todo casquilho,
Levando
tranças de ouro, alvo polvilho,
E branda
seta em doce devaneio,
Na laranja
embebendo o níveo seio,
Tudo
envolver em donairosa guerra,
Que nos ecos
ribomba o vale e a serra.
Viste do S.
João a mão rugada
Com
harmónicas chácaras cantada,
Por entre a
relva a seus adoradores
Brando rocio
entornar, néctar de amores,
E na
alcachofra em chamas crepitantes
Mostrar seu
fado a fervidos amantes.
E nada em ti
calou doce alegria!
Almejar só
de Nicolau o dia
Em que o
estudante em mimo transcendendo
Tudo vai de
prazer embebecendo!
Respira, que
no espaço vem sorrindo,
Perlas
vertendo, rosas esparzindo,
E por mais a
função tornar preclara
Lá do Olimpo
baixou Minerva cara;
Tudo pois
neste dia luminoso
Há de em
torrentes transbordar de gozo.
Ricos gibões
trajando os estudantes,
Que o
Grão-Mogol não traja tão brilhantes,
Mil dons, em
cantos mil, com graça e arte,
Cuidosos, espalharão
por toda a parte.
Aqui para
dum fartar magras entranhas,
Quentinhas,
a pelar, darão castanhas;
Aí a outros
de prudente siso
Farão com
farsas escangalhar de riso;
E dança
militar, que amor desperta,
A todos
deixará de boca aberta.
Mas vós,
queridas, que o gemer do peito
Com um
volver adoçais do lindo aspeito,
Vós, neste
dia a que prestais fulgores,
Distinguidas
sereis com seus favores.
Maçãs, na
cor rivais de vosso rosto,
Belas
choreias de apurado gosto,
Em requebros
primando, em louçania,
Para vós as
reservam à porfia.
Porém o
galardão condigno seja
Da ternura
que na alma lhes flameja,
Do pomo ao
receber, deixar de leve,
Doce o lábio
tocar na mão de neve;
De airosas
danças na afanosa lida,
Terno
suspiro lhes esmalte a vida.
Minerva,
sim, a castidade ordena,
Mas de amor
puros gozos não condena.
Que temeis
pois? o genitor rugoso,
Que severo
vos mostra o gesto iroso?
Porque o
gelam talvez setenta invernos
Quer em vós
abafar suspiros ternos?
Deixai-o,
que ao amor o dia é dado,
E se a mão
vos puser o ginja ousado,
A chorina
senil irão tirar-lhe
E com ela
depois na calva dar-lhe.
Temeis que
do peralta o lábio impuro
Tóxico verta
ao suspirar mais puro;
Coitado,
silvos são da inveja ardente,
Que deles
ver não pode a dita ingente,
Porque a
melena à Nazaré penteia,
Porque todo
arrebiques se alardeia,
Anelava
também finezas caras
Sem votar
dulias de Minerva as aras!
Casquilhos,
um conselho: retirai-vos,
E das selvas
nos antros ocultai-vos,
Que tanto
vos não vale a inveja infecta
Que parte
ouseis tomar na excelsa festa.
É de
estudante só condão augusto,
De mil
lucubrações o prémio justo;
E mal dos
vis que no bestunto a mente
Lhes der
para infringir a lei potente;
Ao Toural entre
apupos arrastados,
Serão no
largo tanque mergulhados;
E se alçarem
também ousados braços,
Logo feitos
serão em mil pedaços.
Quer Minerva
que em paz respire a terra,
Mas para a
lei guardar ordena a guerra;
E seus
filhos por ela protegidos
Têm sido sempre
de lauréis cingidos.
Embora duros
sabres empunhando,
De hostes
assome numeroso bando,
Aos alunos
de Palias nada espanta;
Quais
espartanos heróis, que a fama canta,
Quantos
inimigos são saber não querem,
Mas só aonde
estão para os baterem.
Tremei,
tremei do impávido estudante,
Que ou à
lança, ou ao murro, é sempre ovante.
Deusa, ò
deusa imortal, que douta e forte,
Na ciência
és fanal, na pugna és morte,
É o a égide
ampara a cara juventude,
Inspira-lhe
almo génio, alma virtude.
E vós,
filhos da cândida Minerva,
Que o gélido
pavor jamais enerva,
Eia, sons do
tambor mandai aos ares,
Que atroem
novos mundos, novos mares,
E o eco
festival, que aos astros sobe,
Vá invejas
causar no Olimpo a Jove.
FIM
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