P. FRANCISCO VAZ, Presbítero
secular, natural da vila, hoje cidade de Guimarães. As datas do seu nascimento
e óbito, com o mais que lhe diz respeito, são circunstâncias hoje
desconhecidas, e que escaparam ás indagações de Barbosa.— E.
Obra novamente
feita, da muito dolorosa morte e paixão de N. S. Jesus Christo, conforme a
escreveram os quatro Evangelistas, feita por um devoto padre, chamado Francisco
Vaz de Guimarães. Lisboa,
I659. 4.°, tendo no frontispício a imagem de Cristo crucificado, e o texto
intercalado com pequenas gravuras em madeira, que representam vários passos da
paixão do Salvador.— Parece que esta é a primeira edição deste curioso e
extraordinário apto, a darmos credito ao que diz J. Adamson, na sua Bibl.
Lusitana, onde declara possuir dela um exemplar.
Sucessivamente foi
reimpresso este auto em várias edições, das quais apontarei as seguintes, por
achá-las mencionadas em Barbosa: Évora, por Manuel de Lyra 1593. 4.° — Ibi, por
Francisco Simões 16... 4.°—Braga, por Fructuoso (Lourenço?) de Basto 1613.
4.°—Lisboa, por António Alvares 1617 e 1639. 4.° — Ibi, por Domingos Carneiro
1659. 4.°—Após estas se publicaram (que me conste) as três seguintes, das quais
todas conservo exemplares: Lisboa, pelos herdeiros de António Pedroso Galrão
1739. 4.°—Ibi, por Francisco Borges de Sousa 1783. 4.°—Porto, por António Álvares
Ribeiro 1785. 4.º Cada uma destas edições consta de 40 páginas, e todas trazem
intercaladas no texto as vinhetas do costume, sendo porém as gravuras
inteiramente diversas entre si, como feitas de propósito para cada uma das
edições.
O texto é composto em
verso de várias medidas. As três edições que conheço deste opúsculo andam
inquinadas de erros, que muitas vezes transtornam o sentido, e mostram a
incúria e ignorância dos que as dirigiram. Cumpre notar além disso que,
segundo os testemunhos escritos de alguns bibliógrafos acreditados, a
Inquisição fez expurgar a edição de 1613, mutilando e transtornando vários
lugares do mesmo texto, os quais daí em diante continuaram a ser impressos com
essas alterações, por modo que diferem muito das três primeiras edições; por
conseguinte, para restabelecer a integridade do texto, e fazer as correcções
necessárias, será preciso ter presentes exemplares dessas edições primitivas,
as quais até agora não pude ver, nem sei onde existam.
Até aqui chegara eu
com as minhas observações, quando ultimamente me apareceu uma espécie nova, que
cumpre não deixar em silêncio. O nosso insigne filólogo, o sr. dr. Rivara, na
introdução que pôs à frente da reimpressão por ele feita da gramática da língua
Concani do jesuíta Tomás Estêvão (vej. o artigo competente) fala a pág.
CCVIII de uma versão feita naquela língua do opúsculo de que aqui se trata, a
qual, por alheio testemunho, diz ter sido impressa em Lisboa, por Domingos
Carneiro no ano de 1659. Confessa que esta obra (a tradução em concani)
é para ele um enigma bibliográfico; e que do original português não tem
mais conhecimento que o obtido na Bibl. de Barbosa, e no Catálogo da
Academia. Por isto bem claramente demonstra, que nem ao menos teve notícia das
três edições de 1739, 1783, e 1785, de que (como acima digo) possuo exemplares havendo
além destas outras, de datas posteriores, e feitas já no presente século.
Que a obra foi
originalmente escrita e impressa em português, é ponto fora de dúvida: que
algum missionário da índia, ou pessoa versada no conhecimento da língua concani
fizesse a tradução para uso e aproveitamento dos cristãos daquelas partes,
parece-me suposição bem fundada, e a que pode dar-se inteiro crédito. Mas que
essa versão se imprimisse em Lisboa no ano indicado, é para mim duvidoso, e o
será até aparecer exemplar que o comprove. Não vejo inconveniente em que o
tradutor, quem quer que ele fosse, servindo-se para a sua versão de um
exemplar da edição portuguesa de 1659, copiasse para o rosto da sua Declaração
o titulo daquela ipsis verbis, com a indicação do ano, lugar, etc.
em que fora estampada, e que a cópia assim permanecesse, ou ainda outras, que dela
se tirassem pelo tempo adiante; e afinal, que de alguma dessas cópias viesse a
servir-se quem reimprimiu a obra em Bombaim, em 1845, como se lê a pág. CCX da Introdução
do sr. Rivara.
O que porém resta
ainda a advertir, é que a tal versão, ou Declaração como ela se
intitula, não foi feita simplesmente sobre o escrito do P. Francisco Vaz, tal
como este se imprimiu em português; mas sim se reuniu à desta a tradução de
outras obras de diverso, posto que análogo assunto. Assim, dos extractos
citados, e da Tábua dos capítulos reproduzida pelo sr. Rivara, vê-se
evidentemente que a versão concani começa na conceição da santíssima Virgem, e
prossegue com a vida d'esta, e com o nascimento e infância de Cristo, até
chegar ao capitulo XIII, que se intitula “De como N. S. Jesus Christo seis
dias antes de sua morte veio para morrer pelos peccadores na cidade de
Jerusalém, e o que mais aconteceu.” Aqui é que começa o original português
impresso, e neste não há coisa alguma que corresponda ao que o antecede na
versão.
Ainda mais: o
original fenece com a deposição de Cristo no sepulcro, e o pranto de sua
santíssima mãe; correspondendo ao cap. XXIV da tradução. Esta à sua parte
continua com mais doze capítulos, também novos, compreendendo a ressurreição, e
o mais que anteveio à morte e gloriosa assunção da Virgem.
Deste modo vê-se que
a tradução é talvez triplicada, e então bem merece as honras de original, ou
pouco menos.
Dicionário
Bibliográfico Português, de Inocêncio Francisco da
Silva, continuado e ampliado por Pedro V. de Brito Aranha, Tomo III, Imprensa
Nacional, pp. 75-77.
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