Quando eu era
pequeno, a minha avó não se cansava de me chamar lambareiro, nem de alimentar a
minha lambarice com artes de doceira de mão cheia. Foi-se a infância, foi-se a
avó, e há cheiros e sabores que se foram com uma e com outra e de que apenas
permanecem vagas reminiscências na memória. Vai daí, sou daqueles que desde cedo tomaram o gosto
por essa arte quase alquímica de combinar na justa medida os ovos, o açúcar, a farinha
e o mais que se lhes acrescenta, na tentativa recuperar os sabores de manjares que
nunca esqueci ou que nunca provei.
Na monda dos papéis
velhos em que ando tantas vezes imerso, de vez em quando deparo-me com velhas
receitas, que não demoro muito a experimentar. Aconteceu-me ontem: ao percorrer
o espólio da biblioteca de um velho amigo recentemente falecido, encontrei umas folhas manuscritas, seguramente do século XIX. Passando os
olhos, deparei-me com umas dezenas de receitas. Hoje, experimentei a primeira, que
ensina uma versão que eu não conhecia do nosso leite-creme, ali simplesmente
chamado, como se chamava no tempo em que a minha avó me chamava lambareiro, creme.
Eis a
transcrição da receita do “creme simples ou de leite”:
Tomem 2 punhados
de farinha triga e desfaçam-se em pequena quantidade de leite, ajuntando-se 20
gemas de ovos batidos, e mistura-se tudo em 500 gramas de açúcar, juntem-se
mais 2 litros de leite temperado com sal, canela inteira, casca de limão e 250
gramas de manteiga clarificada, põe-se tudo a cozer em banho de água, até estar
ligado e cozido, tendo o cuidado de que não se agarre à forma, que deve ser
previamente untada com manteiga.
Pode
fazer-se-lhe côdea com ferro quente.
O resultado foi
o que se vê na fotografia que vai aí acima. Na aparência, é um leite-creme
igual a tantos outros. Porém, acreditem-me, a semelhança fica só pelo que os
olhos vêem. Falta-me o talento dos provadores de vinho para descrever o sabor
deste simples creme. Portanto, limito-me a repetir o julgamento do júri que hoje
o apreciou à minha mesa: o melhor. Só isso.
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