Martins Sarmento e a religião

Francisco Martins Sarmento


No ano 1915, não se realizou, no dia 9 de Março, a festa com que a Sociedade Martins Sarmento assinala, em simultâneo, o aniversário do seu patrono, Francisco Martins Sarmento, e o aniversário da sua fundação. Por essa altura, aquela instituição passava pela maior crise da sua história: vira desaparecer quase todos os seus iniciadores, que compunham a mais notável geração que esta cidade já teve, e demonstrava sérias dificuldades em adaptar-se ao novo regime republicano, vivendo a sua direcção em permanente conflito com as autoridades municipais. Foi neste contexto que o jornal republicano Alvorada, publicou, no dia 11 de Março de 1915, um artigo com o título “Francisco Martins Sarmento foi não só um grande sábio mas também um liberal avançadíssimo”, em que recordava os artigos de opinião que publicou no jornal Vimaranense, em finais da década de 1850, em que se expressava, sem rodeios, “contra a reacção clerical e ultramontana”. Escrevia o Alvorada:

Recordemos-lo todavia nós aqui lembrando-o numa das múltiplas facetas da sua prodigiosa inteligência, pois não exageramos se dissermos que muitos de quantos têm estado à frente dos destinos da colectividade de que ele é patrono, não conhecem, não sabem quem foi Francisco Martins Sarmento, o que patentemente o têm demonstrado, desviando-a do seu verdadeiro e exacto caminho, o único que honraria e serviria a memória do grande morto.

Ele, que viveu a sua mocidade num período ainda quente e cheio das lutas travadas nos diversos países da Europa entre os partidários da Santa Aliança e os apóstolos frementes da Revolução Francesa, não podia deixar de nelas se imbuir profundamente, encaminhado pela grandeza da sua alma e do seu espírito para aquele lado onde uma força de dinâmica social lhe mostrava a Liberdade, o Progresso, a Civilização.

Francisco Martins Sarmento, é, pois, certo que se hoje vivesse, estaria do nosso lado, contra a obra da reacção monárquica e clerical — embora pairando em regiões mais límpidas e naturalmente abominasse imbuir-se em volteios que não fossem os relativos à acção da Arte e da Ciência.

Prestando deste modo homenagem ao querido Sábio e Mestre — o mais dilecto filho desta terra — vamos reproduzir algumas das suas ideias em questão de matéria religiosa, em que era avançadíssimo, e em cuja discussão, discursa em vigorosas polémicas na imprensa da época, honraram e exalçaram o jornalismo local.


Dos textos que o Alvorada recordava em 1915, aqui fica, a título de exemplo, a parte em que se refere à acção da Inquisição:

Santa Inquisição


“...A inquisição não só fez o que pôde para desacreditar o cristianismo, declarando-o impotente para insinuar pela persuasão as suas verdades, como nos primeiros séculos, demonstrando que ele não vinha salvar os homens, pois que este dogma não impunha o extermínio dos hereges, mas pelo contrário a conservação da sua vida,pela esperança duma conversão sempre possível; mas foi mesmo impotente para vingar o plano de aniquilar todos os que não pensavam como ela.

Veja-se: Afoga o Languedoc em sangue, surge Wycliffe; excomunga Wycliffe, porque o não pode queimar, surge João Huss e Jerónimo de Praga; queima Huss e J. de Praga, surge Lutero e a religião da Reforma. Metade da Europa separa-se de Roma; obriga-a a respeitar lhe os seus hereges; e eis que a santa inquisição mete o rabo entre as pernas e vem-se aninhar nuns antros famosos, entre alguns miseráveis povos do meio-dia.

Aí fica meia Europa por curar. O modo porque curou os miseráveis povos do meio-dia, foi cultivando neles o fanatismo, a ignorância, a superstição, o ódio, a desconfiança, a denúncia e outras plantas assim formosas, que o liberalismo vai hoje arrancando devagar, e que os Argus pretendem replantar, talvez sem saberem o que fazem…

Para ler os textos de Sarmento publicados em 11 de Março de 1915, pelo Alvorada, bem assim como um outro artigo, que saiu nas páginas do mesmo jornal, duas semanas depois, sobre “As Bíblias Protestantes”, poderá descarregar o seguinte documento:

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