José da Cunha Sampaio, primeiro Presidente da Sociedade Martins Sarmento,foi
uma das principais figuras da Sociedade do Raio. Com o afastamento de Antero de
Quental, a Sociedade do Raio dissolveu-se, tendo sido reorganizada com
configuração maçónica. Nascia então a Loja Reforma, na qual José Sampaio ocupou as
funções de primeiro Venerável Mestre. Domingos Leite Castro fala desse tempo de
José Sampaio em Coimbra, num texto que publicou na Revista de Guimarães em 1900:
O período da
formatura de José Sampaio foi dos mais curiosos e originais da academia. Toda a
corrente filosófica, literária e política do tempo, chegando a Coimbra,
encontrou aí umas dúzias de rapazes de talento prontos a assimilá-la. Na apatia
geral do país, atrasado no saber e falho de crítica, gasta e exânime a velha
escola arcádica, esta fermentação de novas ideias, estranhas preocupações,
aspirações novas e atrevidas, fez escândalo. Daí ruidosos protestos contra a
velha literatura, contra o velho regime universitário e suas obsoletas
instituições.
Ficaram célebres na tradição
essas orgias da mocidade, para as quais o fumo capitoso das discussões
filosóficas e literárias, a verve e o dito, davam o maior contingente. As ceias, a troça ao futrica
e ao caloiro, as longas caminhadas de dia ou de noite, o extraordinário
dispêndio de talento na inesgotável alegria, cortada apenas pelos rápidos
assomos de hipocondria do futuro poeta da morte, fizeram “essa encantada e
quase fantástica Coimbra”, de que nenhum perdeu a memória e a saudade nos
posteriores trabalhos da vida.
Entre esses rapazes, Antero do
Quental tomara breve, pelo encanto que exercia sobre os seus companheiros, uma
supremacia natural. Ao grupo dos seus amigos mais íntimos pertenceu José
Sampaio com seu irmão Alberto, Germano Meireles, Florido Teles, Frederico
Filemon, Félix dos Santos, Santos Valente, os dois Machados de Faria e Maia,
Alberto Teles, Anselmo de Andrade, José Falcão, Filomeno da Câmara, Lobo de
Moura, A. Castelo Branco, Teófilo Braga e Manuel Arriaga[1]. Desse grupo saiu mais tarde no campo da literatura a célebre questão de Coimbra, no campo da
acção a Sociedade do Raio, de que José Sampaio foi um dos membros do
Directório.
Em Coimbra, onde sempre medraram
desde 1818 a maçonaria e o carbonarismo, a Sociedade do Raio, parece ter
realizado o tipo ideal das sociedades secretas. Dentro em pouco contava para
cima de trezentos membros, dos quais poucos conheciam os chefes do movimento.
Estes, nas iniciações apareciam mascarados e, nas reuniões magnas, celebradas
ao ar livre nos arredores da cidade ou numa casa alugada do próprio reitor,
confundiam-se na grande mole, dirigindo-a sem se fazerem suspeitar.
Em seguida, faziam a sua primeira
revista de forças em homenagem ostensiva ao Dr. Bernardo de Albuquerque, mal
visto pelo reitor ou pelas classes conservadoras. Aproveitavam a passagem do
futuro rei Humberto para proclamarem os seus princípios e aspirações. Pensaram
em raptar o reitor, o severo e venerando Basílio Alberto, símbolo vivo do
absolutismo universitário, e deram por último o seu grande golpe na sessão da
distribuição de prémios na sala dos capelos, retirando-se de roldão pela porta
fora toda a assistência, quando o reitor se levantou para ler o seu discurso.
Foi isto a 8 de Dezembro de 1862,
no princípio do 3.° ano de José Sampaio. Antero de Quental, conseguido o
primeiro triunfo, fatigado ou desdenhoso, desinteressou-se e a Sociedade do
Raio dissolveu-se. Alguns dos seus amigos, porém, e entre eles José Sampaio,
tentaram reorganizá-la sob a forma maçónica, congregando elementos novos e
ligando-a à política dominante, sob um programa liberal e reformador. Daí a
fundação da loja Reforma nos princípios de 1863, sob os auspícios de Gr.·. Or.·. da Conf.·.
Maç.·. Port.·. de que era Gr.·. M.·. José Estêvão. Foi eleito Vener.·. José
Sampaio[2].
Era este o tempo em que a entrada
de Lobo de Ávila no ministério insuflava uma vida nova no partido histórico. As
irmãs da caridade tinham sido expulsas, os morgados abolidos, as alfândegas
reformadas, feito o contrato do tabaco, instituído o crédito predial e a
primeira locomotiva silvava até Badajoz. Era, enfim, o tempo da unha preta, cuja
irrequieta e sôfrega energia ia demolindo o prestígio e influência do egrégio
duque de Loulé. A loja Reforma foi pela unha preta. Parecia ser o futuro e era ao certo alguma coisa. Quando foi da
colossal troça de Antero, raptando a Academia para o Porto, na extravagante
questão do perdão de acto em Abril de 1864, a loja
Reforma, votando pelo governo, opôs-se. Embalde,
porém, a fascinação de Antero pôde mais e os próprios membros da loja, por
solidariedade académica, acompanharam os seus colegas. Já então se tinha dado a
morte de José Estêvão e fora preciso proceder à eleição do Gr.·. M.·. A loja Reforma votou pelo
Ir.·. Viriato (Lobo de Ávila) contra o Ir.·. Cincinato (Loulé). Mas venceu o
Ir.·. Cincinato e daí um cisma. As lojas de Coimbra, não sabendo qual dos
Grandes Orientes triunfaria, positivamente desorientadas, dissolveram-se. A loja Reforma nunca mais
se reuniu depois de Maio de 1864.
Desta rápida excursão pelos
domínios da política partidária, José Sampaio não parece ter recolhido
lisonjeiras impressões. Nunca lhe ouvi uma alusão passageira a estes episódios
da sua vida académica, nunca mais se filiou em nenhum partido; porque
certamente não é fazer política servir amigos pessoais, ou ofendido,
desforçar-se, como lhe havia de acontecer uma ou outra vez. Na depressão geral
do espírito público, que é uma das características do nosso tempo, não há mesmo
lugar a fazer-se mais nada sem adquirir-se reputação de simples.
Domingos Leite de Castro, “O nosso primeiro Presidente”, Revista
de Guimarães, n.º 17, 1900, P.5-17
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