Francisco Martins Sarmento (auto-retrato) |
Francisco Martins Sarmento é uma
figura que marca o século XIX vimaranense, tendo construído uma obra que
projectou muito para além do seu tempo. Nascido nos tempos turbulentos da
Guerra Civil entre os liberais de D. Pedro e os absolutistas de D. Miguel,
seria, até ao fim, um espírito inquieto. Os dias que aí vêm, em que se
completam 169 anos sobre o seu nascimento, são dias de evocação da sua figura, revelando
algumas dimensões menos conhecidas da sua personalidade complexa.
Francisco Martins Sarmento é uma
figura que se destacou na cultura portuguesa e europeia do seu tempo, em
resultado da sua acção pioneira no conhecimento da arqueologia do Noroeste
peninsular. Na sua cidade, Sarmento foi muito mais do que o arqueólogo. Vivia recolhido
entre os livros da sua biblioteca e o campo das suas prospecções arqueológicas
e etnográficas, de onde saía sempre que Guimarães o chamava para se envolver
nas suas causas. Era uma espécie de patriarca vimaranense, cuja voz era
respeitada e escutada. Foi assim, por exemplo, no conflito com o Seco, um juiz
que afrontou a cidade, ou na contenda entre Guimarães e Braga que, em 1886,
traria a autonomia para o concelho.
Sarmento foi, ao longo da maior parte
da sua vida, um artista em busca da sua arte. Começou por estudar Direito da
Universidade de Coimbra, mas os seus interesses estavam muito para além da aridez
e da frieza dos textos jurídicos. Desde muito cedo que se lhe reconhecia a fama
de leitor a tempo inteiro, devorando literatura em regime de permanência.
Estudou os clássicos, sem se desligar da compreensão da realidade fervilhante
da cultura dos tempos em que viveu. Escreveu poesia, tendo chegado a publicar
um livro de poemas, mas cedo se desiludiu e compreendeu que o seu ofício não
seria a arte poética. Fascinado com as novidades da ciência e da técnica, iria
dedicar-se à decifração dos mistérios, feitos de luz e de sombra, da arte
fotográfica. Nessa altura, já dobrara metade dos anos que iria viver.
A aprendizagem da técnica fotográfica
por Martins Sarmento, pormenorizadamente descrita nos apontamentos que nos
deixou, é um exemplo da persistência que se obstina contra a adversidade até que
alcança o seu objectivo. Sarmento fez-se fotógrafo, mas a fotografia
desempenharia, no seu trajecto, um papel que ultrapassaria o seu propósito
inicial de fazer retratos artísticos. Se a fotografia ainda não era a arte maior
de Sarmento, seria uma ferramenta essencial para o trabalho a que se devotou no
último terço da sua vida e que tornaria o seu nome conhecido em toda a parte, a
arqueologia. A fotografia foi um instrumento fundamental para o registo e para
a divulgação das suas descobertas arqueológicas. Sem a fotografia, Sarmento
dificilmente seria o arqueólogo cuja obra os seus conterrâneos celebraram através
da criação da Sociedade Martins Sarmento, há 130 anos.
Os dias que aí vêm são dias de
celebrar Sarmento, mostrando alguns aspectos, porventura até agora menos
conhecidos, da obra do erudito vimaranense. No dia 8 de Março, será estreado no
S. Mamede CAE o documentário Francisco Martins Sarmento – Entre a Memória do
Passado e o Horizonte do Futuro, realizado por Jorge Campos, em resposta a
uma encomenda da Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura. No dia seguinte,
abrirá ao público a exposição O Fotógrafo Martins Sarmento, comissariada
por Eduardo Brito e integrada no ciclo Reimaginar Guimarães, e será
lançado um livro-catálogo com fotografias e os diários fotográficos de
Sarmento. À noite, em sessão solene na Sociedade Martins Sarmento, o arqueólogo
Francisco Sande Lemos, profundo conhecedor das diferentes dimensões da obra do
descobridor da Citânia de Briteiros, fará uma conferência sobre A fotografia
de Sarmento: artefactos gravados no vidro.
Francisco Martins Sarmento é uma
dessas raras figuras que, por vezes, acontecem na história de uma cidade e que
constroem obras que se elevam muito acima da sua dimensão humana. Os próximos
dias serão tempo para desvendar alguns segredos desta personagem
extraordinária.
[Texto publicado em O Povo de Guimarães, edição de 2 de Março de 2012]
0 Comentários