O Entrudo: máscaras e folias, mesmo em tempo de guerra


Hoje é dia de máscaras.

Entre nós, nos tempos que correm, dias como este quase que só acontecem no Carnaval. Não era assim no passado, em que eram frequentes, ao longo do ano, os momentos festivos em que as gentes disfarçavam as suas identidades atrás de máscaras. Esse costume acontecia, por exemplo, nas vésperas das festividades religiosas, mesmo nas mais solenes, como o Corpo de Deus (em meados de Junho de 1729, D. Prior da Colegiada de Guimarães, D. João de Sousa fez publicar um em que condenava e proibia “o abuso de na véspera do Corpo de Deus e de outras festas, haver máscaras, representações, danças e bailes”). Havia máscaras para assinalar factos políticos (no dia 19 Julho de 1728, segundo o cónego Pereira Lopes, citado por João Lopes de Faria, “houve touros no terreiro de Santa Clara com máscaras e um baile. Tudo isto foi continuação das festas que se fizeram pelo aniversário do juramento que Sua Majestade o sr. D. Miguel I, deu de manter as Leis Fundamentais da Monarquia Portuguesa”; estas manifestações com mascarados tinham começado no dia 7 do mesmo mês). No século XIX eram bem conhecidas as mascaradas dos estudantes de Guimarães, em especial por ocasião das festas a S. Nicolau, que tinham a natureza de uma “festa de máscaras”. Podendo acontecer em qualquer época do ano e por qualquer motivo, os bailes de mascarados, em especial os realizados nos teatros, eram a principal manifestação com que em Guimarães se assinalava o Carnaval. Começavam várias semanas antes e terminavam em plena Terça-feira Gorda.

Do Entrudo de 1847 não temos notícia de bailes de mascarados. O povo não tinha grande motivo para festejos, já que se estava em plena Guerra da Patuleia. Nesse ano, o Carnaval aconteceu a 16 de Fevereiro, dia em que Pereira Lopes registou no seu diário:

"Decerto não haveria nesta vila grandes brinquedos de Carnaval (pelo desgosto e miséria em que estava todo o reino e principalmente esta província) se não foram os oficiais e soldados de infantaria nº 7, que então aqui se achava, jogando quase todos o Entrudo com grande gosto (este regimento era da corte) não se embaraçando com isso o seu coronel, andando até a ver, e rindo-se muito com as suas brincadeiras".

A pândega dos soldados foi um breve interregno nas movimentações das tropas. No dia seguinte, Quarta-feira de Cinzas, o batalhão dos foliões, que estava estacionado em Guimarães desde o dia 14, marcharia rumo ao Porto, para onde se aproximava o Duque de Saldanha. Com a tropa cartista fora de portas, logo se começaram a sentir as movimentações dos miguelistas nas imediações de Guimarães. No dia 18, a vila seria tomada pelos miguelistas. Um grupo de milícias, conhecido como o “batalhão de Fafe”, entrava em Guimarães ao som do hino da Maria da Fonte. Segundo Pereira Lopes, “à noite andou esta música a tocar pela vila acompanhada por muitos patuleias, dando vivas à Junta do Porto e morras aos Cabrais”.

A folia carnavalesca de 1847 não foi mais do que um breve interregno nas movimentações das tropas numa guerra fratricida.

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