Do amor a Guimarães



... Porque tanto amamos a nossa Guimarães? Fôra uma junqueira brava, com um passado de cabana, amortecida na atonia das horas indiferentes e paradas! Mas ela tem, neste formoso quadro minhoto, a mais enternecida paisagem de suavidade e maravilha. As suas casinhas arruam-se em estâncias saudosas. Tressua a pedra dos seus muros o sangue forte dos gloriosos fundadores da nossa nacionalidade. E nem uma só hora, uma só, viveu a inquietação da alma pátria em que ela não estivesse identificada com toda a sua alma. Era terrível e vitoriosa a sua espada, porque ela mesma lhe forjara a têmpera. Longamente se entregou a um sonho de misticismo fervoroso — e é ainda essa luz tão meiga e profunda, admirável, que ilumina os olhos das suas moças. Fez o bragal — do linho da terra, o doce — do fruto das suas árvores. Pintou, agricultando, o quadro esverdecido e doirado das suas encostas e das suas várzeas. Cantou e sofreu. Foi S. Mamede e verteu, regou com seu sangue Aljubarrota, Ceuta e Índia. Não temeu o Império dos Filipes e defrontou-se com Napoleão. E trabalhou sempre. A enxada, o escopro, o cinzel, a forja. Apegou-se à terra, entocou-se nas oficinas, sulcou os mares, estremeceu na ânsia da arte. Com insistência tão devotada e tão amorosa, ao comprido de tantos séculos, que, neste recanto afastado, ao mesmo tempo que amassava em glória um passado brilhante e limpo, fortalecia uma grande e bela tradição de trabalho, essa de que descende e criou a laboriosa e honrada Guimarães de nossos dias.

Setembro de 1925.
Eduardo de Almeida (in O Labor da Grei, Guimarães, 1928)

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