O Pregão de 1854, pelo nicolino Francisco Martins Sarmento



Francisco Martins Sarmento (primeiro à esquerda) num grupo de amigos, com o Visconde de Pindela e Conde de Margaride, de pé, e Domingos Martins da Costa (Aldão), sentado.

Entre os autores do pregão que todos os anos é declamado nas festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau, contam-se muitos dos nomes que, entre nós, mais se destacaram nas letras. Francisco Martins Sarmento, que se viria a consagrar como arqueólogo de renome internacional, foi um deles. Escreveu o bando escolástico do ano de 1854, quando contava 21 anos. Aqui se transcreve.

Pregão Escolástico recitado no dia 5 de Dezembro de 1854
 por António Joaquim Ferreira de Eça e Leiva.


Ao fundo meditar de horas sem conto
O filho do saber põe curto ponto.
– É preciso que a flor aspire o orvalho.
Que o recreio, o folgar siga o trabalho;
Que o moço pensador, rindo fagueiro
Das mil lucubrações dum ano inteiro,
Tenha em prémio pedir de amor a palma
Às plantas da mulher, que trouxe na alma.
– Surge pois, Guimarães; o sol vem perto,
Que brilhante há-de vir ao teu desperto.
Matizados florões prende às janelas,
Cobre as feridas do chão das flores mais belas,
E à flor dos filhos teus, que te amam tanto,
De notas festivais ergue-lhe um canto:
Que amanhã, amanhã, dos Estudantes
A função brilhar vai mais do que dantes.
– Bailados vós vereis – delírios, queixas,
Juramentos de amor, ternas endeixas,
Na quadra juvenil sonha de ardente.
Facetas invenções – tudo o que a mente
Na quadra juvenil sonha de ardente.
– Mas da turma civil, briosa e honesta,
Sectário do cerol que entre na festa....!?
Ai! Dele! – ninguém há que à pena o arranque
– Interino bacalhau – de ir para o tanque
Maldizer a hora aziaga da lembrança
De vir meter o pé em tão má dança.
Ai! de vós! – todos vós a quem a ciência
As portas não abriu!... Tende paciência…
Dizei como a raposa (se quiserdes):
“Boas uvas serão, mas estão verdes”;
Que da turba, civil, briosa e honesta,
Só quem loiros tiver entra na festa,
Só quem loiros tiver!... Então, formosas,
Não podeis a nenhum ser desdenhosas;
Vós, a cujos pés rica e brilhante
À coroa da função o põe o estudante…
Vê-lo-eis amanhã dívida antiga
Num pomo vos pagar com mão amiga
Mas este simboliza amor, ternuras;
O vosso, maldição, dor, penas duras.

Tomai-o a sorrir ou com seu pranto;
Mas pagai tanto amor, heroísmo tanto.
Um olhar!... um sorrir!... bem sei, é pouco;
Mas um riso, um olhar, o fará louco.
Ai!... Já enternecer-me... isto só basta!
O resto (perdoai) fica na pasta.

Tricanhinha gentil, quebro uso velho,
Finezas não te dou, dou-te um conselho.
Se terno maganão por linda carta
À fala te obrigar... oh! vara e quarta!
Fazer meias, coser ou torcer linhas,
Se não é bom comer, não tem espinhas;
Enquanto que de amor as leis injustas
Te farão – ré ou não – pagar às custas.

Vós, carcaças, cozinheiras, etecetra,
Tomai esta lembrança ao pé da letra:
Queremos que folgueis a vosso modo;
Queremos ver folgar o mundo todo;
Que, quando Guimarães ri prazenteiro,
Sorrir deve também o Orbe inteiro.

Eia, pois, sócios meus, troai no espaço,
Embora o bombo estoire, ou canse o braço
Dos festejos a voz na asa do vento
Faça a Lua tremer no firmamento.
(Se ela cai?... tanto melior; que veremos
Os bichos que ela tem.) – Eia, mostremos
Que se hoje Guimarães não espanta as gentes
Com incrível valor, feitos ingentes;
Se guerreiros não tem, tem Estudantes,
Que um renome lhe dão maior que o de antes.
F. Martins.

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