Entrudar com bacalhau



Terça-feira de Carnaval. Dia de entrudar. Dia de excessos e de comer carne (dia de carne vale, de dizer adeus à carne). Em meados do século XVIII, a celebrada Academia Vimaranense, fundada em 3 de Dezembro de 1724 pelo fidalgo Tadeu Luís António Lopes de Carvalho Fonseca e Camões, realizou mais uma das suas aparatosas sessões solenes onde se declamava poesia, assinalando a mudança para Guimarães do Arcebispo D. José de Bragança. À Academia deu-se o tema, Um miserável que por não gastar entrudou com bacalhau, que foi glosado por nove dos membros daquela agremiação de eruditos. Estava-se no Carnaval de 1747, e o assunto vinha a calhar com a quadra.

Aqui ficam as décimas de Tadeu Luís. Por elas se verá o pouco prestígio que então tinha o bacalhau enquanto objecto gastronómico.

 

AO SEGUNDO ASSUNTO:

Um miserável que por não gastar entrudou com bacalhau.

 
DÉCIMAS
 
Um comedor entrudal
Miserável da maleita
Que lazarando se deita
Nas escadas do Toural:
E qual outro Sarrabal,
Tratando de Astronomia,
No seu prognóstico via,
Sem nunca botar cão fora,
Lazeiras a toda a hora,
Estrelas ao meio dia.
 
Neste dia o comedor
Falando ao seu indivíduo,
Lhe pergunta: Neste tríduo
Que desejas de sabor?
Queres um bolo do amor?
Queres sopa de repolho?
Ou queres perdiz com molho?
Quero, lhe diz o marau,
Quero comer bacalhau,
Ou quero comer um rolho.
 
Que é de homem de entendimento
A inimigo necessário
Comê-lo antes voluntário,
Do que aturá-lo violento:
E fez mau cozimento
Este comestível rudo,
Quem o come no Entrudo,
Mostra com desgarre guapo,
Que nem ele lhe faz papo,
Que tem papo para tudo.

E assim mui contente e ledo
Com o bacalhau me imbigo;
Que quem busca o inimigo,
Mostra que lhe não tem medo:
Disse e ficou mudo e quedo;
E eu lhe respondi sem falha:
Vá você, já que nos ralha,
Que é um asno, um rechimbau,
Que quem rói bacalhau,
É capaz de roer palha.
De Tadeu Luís.

 
(in Guimaraens agradecido: applauzo metrico, que a celebre Academia da muito notavel Villa de Guimarães recitou na presença e em louvor do Seremo Sr. D. Jozé, arcebispo e senhor de Braga..., Coimbra: Real Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1747, págs. 120-121)

Comentar

0 Comentários