A “Academia” de Guimarães, no último quartel do séc. XIX


Luís de Magalhães

No volume especial da Revista de Guimarães publicado em 1900 em homenagem a Francisco Martins Sarmento, o escritor Luís de Magalhães reflecte sobre a importância das obras de Martins Sarmento e de Alberto Sampaio no contexto da cultura portuguesa do seu tempo.

 
A "Academia" de Guimarães

 
Se o nosso país fosse atacado de veleidades regionalistas — Guimarães tinha o direito de reivindicar para si as honras de um centro superiormente caracterizado e individualizado no meio intelectual português.

 
O velho berço da monarquia foi, no último quartel deste século, um brilhante foco de estudos arqueológicos e históricos. Martins Sarmento de um lado, Alberto Sampaio do outro, fizeram mais, nesse período, para a investigação das nossas origens pré-históricas, étnicas, sociais, nomológicas, económicas, do que todos os institutos científicos do país. Um escavando as ruínas das citânias, comentando sagazmente os velhos monumentos históricos e geográficos, embrenhando-se na selva densa dos modernos estudos arqueológicos e dos grandes problemas etnográficos — o outro reconstituindo os textos dos Portugaliae monumenta historica, com luminoso critério formado por urna larga erudição, as evoluções sociais e históricas deste canto da península anteriores à fundação do feudo portucalense — deram à historiografia nacional o prefácio que lhe faltava, levando aos últimos limites a investigação das nossas origens.

 
Os Argonautas, a Ora Maritima, a monografia sobre a Propriedade e a cultura no Minho e As "villas" no norte do Portugal são verdadeiros monumentos históricos, gloriosos padrões do labor intelectual da nossa raça.

 
A morte de Martins Sarmento foi, assim, um desastre nacional. A sua falta deixa um vácuo impreenchível na pequena plangente dos nossos homens de ciência. Porque não foi só um sábio o que nele se perdeu: foi mais do que isso — foi um apóstolo, um fanático das ciências arqueológicas. Essa paixão iluminava-lhe os trabalhos e estudos com intensas fulgurações intuitivas que, contraprovadas depois pelo seu sólido, vasto e profundo saber, lhe rasgavam a cada passo perspectivas novas, novos caminhos no campo das teorias históricas. Era um talento criador e um espírito constitucionalmente lógico, raciocinante, analista, exegético. As suas luminosas hipóteses estabeleciam-se por meio de rigorosas demonstrações matemáticas.

 
Juntando a estas eminentes faculdades de espírito uma meticulosíssima probidade científica e um interesse pelas coisas da ciência, levado ao último extremo da generosidade e até do sacrifício — ter-se-ão talvez delineado os traços mais largos, mas mais característicos, da fisionomia intelectual desse homem benemeritamente ilustre, que foi entre nós o mestre e o chefe supremo, amado e venerado, de todo um fecundo movimento renovador dos estudos arqueológicos e paleoetnológicos.

 
Luís de Magalhães, in Revista de Guimarães, Volume especial, 1900, pp. 46-47

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