O Mosaico do Toural (7)


O Toural, antes da instalação do mosaico.

[continua daqui]

 

Tendo já sido ouvidos um pintor, um crítico de arte, um arquitecto, ao leque de "peritos" em regras para o bom desenho de um mosaico para o Toural, faltava um especialista em decoração. Mas esta área de conhecimento não foi esquecida por A. L. de Carvalho no seu inquérito sobre a obra do Capitão Luís de Pina, tendo sido ouvido o decorador José Luís de Freitas, nada mais do que o responsável pela concepção dos canteiros do jardim do Toural, rasgados em 1911.



Última palmatoada, por um decorador profissional.

Meu amigo sr. José Ribeiro de Freitas:

O senhor que fez com distinção um curso de desenho e pode ser considerado um temperamento artístico, de gosto e vista cultivados — qualidades já suficientemente comprovadas na execução de tantas obras municipais por si orientadas, nomeadamente a transformação do Largo do Toural, o traçado do Jardim Público, etc. além de lhe estarem confiadas importantes obras particulares que, exigindo senso artístico e executivo, eu sei terem merecido a
plena aprovação de arquitectos como Raul Lino — não se furtará portanto, a responder-me a esta mera pergunta de questionário:


— O desenho do mosaico no Toural, nomeadamente aquele que reproduz a Cruz, satisfaz as regras da Arte?

Autorize-me a dar publicidade à sua resposta, pois dela careço.
Mt.º Grato,
A. L. de Carvalho.

Meu prezado amigo:

Há já uns anos que prestei os meus serviços na Câmara.

São da minha autoria os melhoramentos da rua de S. Dâmaso Trás do Muro e do Largo do Trovador, bem como o respectivo ajardinamento.

De minha autoria é também a transformação e ajardinamento do Largo do Toural; mas o projecto do jardim público é do horticultor sr. Jacinto de Matos.

Deixo porém este assunto, que não interessa, e vem apenas para não aceitar, com o silêncio, uma honra que me não pertence, e passo a tratar do assunto em questão:

À ornamentação do mosaico do Toural presidiu a intenção de continuar com o estilo que adoptei no ajardinamento, estilo românico; mas a meu ver, houve infelicidade em empregar ornatos tão variados, alguns muito complicados e em excesso desenvolvidos, a ponto de a vista não os abranger. Deste facto, ao certo, resulta a falta de ligação da ornamentação do centro com a cercadura.

É de muito mau efeito o zig-zag do centro cortado na ligação lateral com os passeios; e, quanto a mim, são simplesmente insuportáveis os entrelaços da entrada inspirados segundo creio, na capa de certa publicação, mas que ali dão a ideia duma série de círculos concêntricos, produzidos por pedra que cai num líquido, ou então a de uma série dr pneus de diferentes tamanhos, ali amontoa-dos, muito em desarmonia com a leveza do letreiro sobre que parece apoiarem.

A alguns detalhes faltam as características do estilo: na cercadura dos passeios há curvas com toda a tendência para a arte nova e no primeiro lóbulo das folhas há anomalia, do que resultou a folhagem ficar com excesso de volume e daí a necessidade de lhe meter nervuras de mau aspecto.

O volume do maciço da estátua parece-me prejudicado pelo excesso de aterramento, a meu ver desnecessário, pois só serve para agravar o desnivelamento da parte de baixo; a não ser que, com a massagem, o mosaico rebaixe ao ponto do primitivo pavimento, o que me parece impossível.

Quanto ao emblema ali colocada, cruz e espada, parecido com o emblema do Senhor dos Santos Passos, se não era possível dar-lhe outra forma, melhor seria tê-lo evitado; o que em qualquer dos casos era sempre preferível, visto tratar-se de um símbolo impróprio para estar no chão e em posição horizontal.

Seu muito amigo
José Ribeiro de Freitas.


[Echos de Guimarães, ano XIV, n.º 540, 15 de Dezembro de 1928]


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