"E o Porto e a província? -pergunto eu ao Chagas. - Que me importa a província! Que importa mesmo o Porto! -A república fazemo-la depois pelo telégrafo."
Raul Brandão, Memórias I
Tendo a revolução republicana arrancado no dia 4 de Outubro de 1910, a proclamação da República aconteceu em Lisboa, já no dia 5. Os primeiros jornais do Porto com notícias da queda da monarquia em Lisboa chegaram a Guimarães na manhã do dia 6. Entretanto, já circulavam, por entre rumores e boatos que o corte do fio do telégrafo entre Lisboa e Porto ajudava a alimentar, informações sobre algo de grave que estaria a acontecer na capital. O primeiro jornal a dar a notícia da revolução em Guimarães usava o título de Notícias de Guimarães, e era de orientação monárquica, tendência progressista. Aí se escreveu:
"Pelas parcas informações até nós chegadas pelos jornais do Porto, apenas podemos apresentar, como boato, aos nossos prezados, que alguns exércitos de Lisboa, juntamente com grande número de populares, tentam impor à Monarquia novas instituições em pró da liberdade; isto é, proclamar a república."
Acrescenta o redactor que, das notícias que chegavam, nenhuma era favorável à monarquia. A bandeira republicana já estaria "hasteada em vários pontos de Lisboa, tendo a marinha de guerra salvado com 31 tiros o seu içamento". A fazer fé nestas informações, a monarquia em Portugal era já uma causa perdida.
A imprensa ainda era, à época, o único meio de comunicação social existente, assumindo uma enorme importância na formação da opinião pública, não obstante os elevados índices de analfabetismo então vigentes em Portugal.
E Guimarães sempre foi terra especialmente abundante em jornais. Durante o ano de 1910, contam-se onze títulos de jornais, entre os projectos que vinham de trás, os que nasceram e aqueles que se extinguiram ao longo daquele ano. Nas vésperas do 5 de Outubro, publicavam-se aqui seis jornais (Comércio de Guimarães, Independente, Imparcial, Restauração, Regenerador e Notícias de Guimarães). A estes, irá juntar-se um novo título, o Correio de Guimarães, que se apresnetou como órgão local do Partido Pogressista, com João Rocha dos Santos como director e o Capitão Alcino Machado como administrador. Este projecto jornalístico resultava de uma cisão do Partido Progressista vimaranense (Rocha dos Santos figurara, até Agosto desse ano, como redactor político no cabeçalho do Notícias de Guimarães).
Aliás, a proverbial abundância de jornais nesta terra foi o tema de uma crónica de sabor picaresco publicada no Correio de Guimarães, assinada por um tal "Caracoles", onde se fala do "abençoado berço da monarquia, onde os jornalistas brotam espontaneamente, como o escalracho nas hortas" e onde se lê:
"A verdade é que, quando fora de Guimarães se diz que em uma cidade tão pequena se publicam seis jornais, ouvem-se logo as perguntas:
Nessa cidade cultivam-se as letras com esmero? É um meio académico, um alfobre de intelectuais?
Ora a verdade é que não temos cá chocadeira, nem alfobre de espécie alguma! Aqui o jornalista nasce e corre para a imprensa, como os patinhos correm para a água com a casca do ovo ainda colada no sim-senhor!"
A abrir o seu primeiro número, o Correio de Guimarães anunciava os seus objectivos, centrados na defesa da ideia da monarquia, que por aqueles tempos atravessava uma crise cada vez mais insustentável:
"Sendo progressistas, somos também monárquicos, e hoje mais que nunca, a monarquia que por covardia ou inconsciência se entregou confiadamente na mão dos exploradores que desde há muito cobiçavam a presa, carece de monárquicos.
Mal parece dizê-lo, mas a verdade insofismável é que os mais interessados em que se mantenham as instituições vigentes as entregam vergonhosamente aos seus adversários.
Não vale até muito a pena ser monárquico num país como este onde é quase um crime, professar ideias monárquicas."
Ironicamente, o Correio de Guimarães, que nasceu com o firme propósito de defender a monarquia, veio a público no preciso dia em que se implantou a República em Portugal. E, assim como nasceu, assim se finou, ficando-se pelo primeiro número, uma curiosa raridade que se conserva na Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento.
A queda da Monarquia não implicou a extinção dos jornais monárquicos: apenas desapareceram, naturalmente, aqueles que estavam vinculados a partidos políticos do antigo regime, entretanto extintos. A par dos projectos de imprensa republicana que, após o 5 de Outubro, se reactivaram, como A Alvorada, de A. L. de Carvalho, ou nasceram, como A Velha Guarda, de Mariano Felgueiras, não faltaram, ao longo dos dezasseis anos que durou a Primeira República, jornais de orientação monárquica, alguns deles afinados pela pauta do radicalismo, como aquele em que viria a estar envolvido, também como director, o próprio João Rocha dos Santos (que, no tempo de Salazar, exerceria as funções de Presidente da Câmara Municipal de Guimarães), com o título de Ecos de Guimarães (1914-1928).
Com o nascimento e a morte do Correio de Guimarães no dia 5 de Outubro de 1910 escreveu-se uma página singular na riquíssima história da imprensa vimaranense: uma página escrita fora do tempo.
[Texto publicado em O Povo de Guimarães, edição de 8 de Outubro de 2010]
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