A servidão de Cunha e Ruilhe (17)



 

Em 1734, os moradores das freguesias de S. Miguel de Cunha e de S. Paio de Ruilhe apresentaram ao rei D. João V uma petição para que os libertasse da servidão (a que também chamam de escravidão) a que estavam sujeitos havia muito tempo. As razões que justificam esta iniciativa estão transcritas na provisão que o rei acabaria por passar em 24 de Julho de 1743:

 
(…) "havia 300 anos se achavam obrigados pela Câmara da vila de Guimarães a uma servidão injuriosa de irem sete vezes no ano a varrer a Praça, Terreiro e açougue da mesma vila, por cada vez três homens das ditas freguesias, a quem cabia por distribuição, aos quais vestiam na Câmara uma opa vermelha e barrete da mesma cor, de que caía uma ponta até ao talabarte e a espada que levavam e a metiam em um cinto armado às esquerdas, e os faziam descalçar um pé, ficando com o outro calçado, pondo-lhe ao cinto o sapato e meia que tinham descalçado, e sendo conduzidos por um guarda, que havia para isso deputado, os faziam exercer naquela vil servidão, assim como os das galés, estando os suplicantes sujeitos a ir varrer ainda que debaixo de grandes penas, com que eram vexados na falta de assim servirem, padecendo grandes injúrias e ludíbrios de grupos dos rapazes e outras semelhantes, nas ocasiões desta sua servidão, e a qual se dizia, era fundada por uma sentença que havia do Senhor Rei D. João o Primeiro, e tinham os vereadores da dita vila de Guimarães em seu poder, por haverem estes suprido a falta, que não chegara a ocupar por medo ou fraqueza a ordenança de Barcelos, sendo-lhe destinado o sitio ou estância para o assalto da praça de Ceuta, por cuja causa proviera aos vereadores da dita vila de Barcelos esta servidão; e o Conde da mesma vila pelos livrar, a impusera aos suplicantes, que sendo nesse tempo do termo da dita vila de Barcelos, fizera passar as ditas freguesias para o termo da vila de Guimarães; sendo certo que, se acaso havia a dita sentença, não podia ser justo título para a servidão em que os suplicantes se achavam, porque se os vereadores da dita vila de Barcelos tinham, como se dizia, sido condenados na dita servidão, não deviam padecer os suplicantes a pena, pois nas matérias penais não havia nem podia haver extensão.

 
(…) E porque os ditos Vereadores da Vila de Guimarães mais obrigavam os suplicantes, para final reconhecimento da sua servidão, com vestes e insígnias ignominiosas, do que por haver daquela limpeza necessidade, pois os lavradores a faziam, por conveniência própria das suas fazendas, mandando quotidianamente varrer as ruas, praças, terreiros e açougue."
(Da Provisão de D. João V de 24 de Julho de 1843)

 
Neste documento já aparece toda a história que depois se repetiu tantas vezes: que a origem da servidão estava relacionada com a tomada de Ceuta e que, depois, tinha sido passada pelo Duque de Bragança (sem especificar qual, se D. Afonso ou D. Jaime) para os moradores das freguesias de Cunha e Ruilhe, que foram transferidas com tal encargo para o termo de Guimarães. Aparece também claro que a insistência dos de Guimarães em manterem aquela tradição vexatória nada tinha a ver com a necessidade de prover á limpeza da vila (que era assegurada pelos lavradores), mas com o intuito de fazerem prevalecer.

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