Uma primeira sentença, dada pelo Juiz de Fora de Guimarães em 23 de Junho de 1608, condenava dois moradores de Cunha, Manuel Gonçalves e Sebastião Gonçalves, caseiros do doutor Gabriel Pereira de Castro, desembargador dos agravos da Relação do Porto, a restituírem aos vereadores e ao procurador da vila de Guimarães "a sua posse antiga, vindo varrer a dita Praça quando por giro lhe couber, e lhes paguem a perda que nisso lhes deram, que se liquidará; e sejam notificados, com pena de vinte cruzados pagos da cadeia para os cativos e acusador, e acudam com a dita obrigação aos tempos devidos e costumados".
Os caseiros de Gabriel Pereira de Castro recorreram contra o acórdão do Juiz de Fora de Guimarães para o Tribunal da Relação, explicando que:
"a razão de seu agravo era que ele juiz e vereadores e procurador da cidade sem razão alguma o permitir os queriam obrigar e aos moradores de Cunha e Ruilhe que por giro fossem a dita vila com barretes vermelhos e outras insígnias infames varrer as ruas e praças padecendo grandes e notáveis afrontas dos rapazes e povo e o sobredito por pretexto de dizerem que por os moradores de Barcelos fugirem em uma batalha dos primeiros reis deste reino em pena da dita infâmia eram obrigados irem com barretes vermelhos significadores dela varrer as ditas ruas e que os moradores da dita vila de Barcelos deram as ditas duas freguesias para os moradores delas irem em seu lugar, o que tudo era patranha sem fundamento algum de verdade nem nas crónicas deste reino se fazia menção de tal e por o dito modo faziam com penas graves executar o dito abuso e corruptela levando penas e penhores aos moradores das ditas freguesias se não iam varrer as ditas praças e ruas e que era uma nova espécie de servidão que aos homens livres e honrados senão podia impor pela qual razão muitos moradores delas deixavam de viver nelas por não passarem pela afronta que na dita vila padeciam e que além de ser contra toda a razão natural e civil haver-se de tolerar tal corruptela e abuso neles agravantes ainda a mais particular razão para serem relevados do dito encargo de varrer e trazerem os tais barretes por serem caseiros de casais encabeçados da honra de Cunha que era morgado do doutor Gabriel Pereira de Castro desembargador dos agravos nesta minha relação e casa da cidade do Porto por pertencer a Dona Joana da Cunha sua mulher e lhe ser dotado por seu pai Matias de Sousa reservando só para si os usos e frutos de sua fazenda, pela qual razão se lhes passara o privilégio que apresentavam em pública forma pelo que sendo como eram as ditas propriedades do dito desembargador todos seus caseiros eram livres de todo o encargo do concelho ignominioso qual o sobredito era."
(do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Junho de 1608)
Neste excerto do recurso, aparece-nos a indicação de que a obrigação de varrer as ruas de Guimarães tinha sido "herdada" pelos moradores de Cunha e Ruilhe dos moradores de Barcelos, tendo sido estabelecida por estes terem desertado "em uma batalha dos primeiros reis deste reino" (note-se a ausência de referência a D. João I ou à conquista de Ceuta e que os autores do recurso classificam esta justificação da servidão como uma "patranha sem fundamento algum de verdade".
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