O documento mais antigo em que se encontra referência a Ceuta e a Barcelos na origem da servidão da vassoura a que estavam sujeitos os moradores das freguesias de Cunha e de Ruilhe são as Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães, escritas entre finais do século XVII e os primeiros anos do século XVIII, mas que ficaram inéditas até 1845. Apesar de inéditas, as Memórias do Padre Torcato foram lidas por vários autores, que as utilizaram sem citar a fonte. O exemplo mais acabado dos plágios de que foi alvo encontrámo-lo da Corografia do Padre Carvalho da Costa, onde foram vertidos largos trechos da obra do monógrafo vimaranense. Assim sucede, por exemplo, com o texto que se segue, onde surgem algumas novidades a propósito da suposta servidão de Barcelos a Guimarães:
"Para coroa de todos os privilégios desta vila, farei menção de uma Provisão de el-rei D. João o 1.°, à qual em nenhuma parte há outra semelhante. Quando este senhor tomou a cidade de Ceuta em 1414*, repartiu as estâncias das muralhas pelos moradores das cidades, e vilas que o acompanharam nesta empresa: sentidos os Mouros da perda de sua cidade, se juntaram em grande número, e vieram logo sobre ela, e fizeram o maior ataque pela estância que guardava a gente de Barcelos: ficaram estes tão assustados, que fugiram, desamparando aos Mouros o lugar que lhe estava balizado. Os moradores de Guimarães, que guardavam a estância contígua se dividiram logo em dois terços, e com um foram lançar fora os Muros do muro que já ocupavam, e com o outro ficaram defendendo o lugar que se lhe tinha nomeado.
Agradeceu el-rei esta valorosa acção com lhes passar uma Provisão em 1517**, para que os moradores da vila de Barcelos viessem nas vésperas de todas as festas que a câmara desta vila costuma celebrar, varrer-lhe a Praça Maior, Padrão, e Açougues, com um barrete vermelho na cabeça, e uma banda ao ombro, da mesma cor, e a espada à cinta, e um pé calçado, e outro descalço, com vassouras de giesta que traziam de suas casas, para fazerem esta limpeza. Acabada ela, entravam na câmara, aonde os esperavam os ministros, e em livro particular lhes faziam seus registos, e se faltava algum sem mandar certidão de causa justa, era condenado em seis mil reis para os encargos do concelho. Continuaram os moradores de Barcelos nesta servidão mais de sessenta anos, até que não havendo quem a quisesse habitar, veio o duque de Bragança D. Jaime, senhor da dita vila pedir à câmara, e povo desta vila quisessem fazer com ele um contrato, em que lhe largaria as freguesias de Cunhe, e Avinhe*** para que os moradores delas continuassem aquela servidão: porque aquela sua vila se ia despovoando da nobreza que tinha: e como seu requerimento era justo se fez o contrato, que se guarda no cartório da câmara, e assim os moradores das ditas freguesias ainda continuam a limpeza dita do mesmo modo. Bem trabalhou o doutor Gabriel Pereira de Castro para livrar as ditas duas freguesias, por ter nelas certos caseiros que faltaram à servidão, e que haviam sido condenados: saiu a sentença contra os ditos caseiros, a qual se guarda no cartório da câmara."
[Torcato Peixoto de Azevedo (Padre), Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães, Porto, Typographia da Revista, 1845, pp. 413-414]
* Erro: a conquista de Ceuta aconteceu em 1415.
** Gralha da edição de 1845: deve ler-se 1417.
*** Gralha da edição de 1845: deve ler-se Ruinhe, aliás, Ruilhe.
Note-se que o Padre Torcato afirma que teria sido o duque D. Jaime a contratar com a Câmara de Guimarães a transferência de Cunha e Ruilhe de Barcelos para Guimarães, com o encargo de assumirem à sua conta as obrigações da servidão. Como já vimos, Mestre António, que seria necessariamente contemporâneo de tal acontecimento, não se lhe refere.
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