A servidão de Cunha e Ruilhe (10)

A referência mais antiga à servidão da vassoura que conhecemos foi escrita em 1512 por Mestre António, cirurgião de Guimarães, no seu Tratado sobre a província de Entre-Douro-e-Minho e suas abundâncias, que permaneceu inédito durante mais de quatro séculos:

"E assim os desta comarca andaram vinte  e tantos anos nas guerras de Castela pelos quais serviços lhe deram muitos privilégios estremadamente à vila de Guimarães que lhe deram o título de mui nobre e sempre leal, e o castelo castelo de Guimarães nunca se acha ser tomado de mouros, os que fugiam das guerras de outras partes foram ajuntados em certos lugares como degredados e foram dados como tributários à dita vila de Guimarães para sempre como hoje em dia as de Cunha e Ruilhe, que são daqueles vêm cada ano varrer açougues e praças e ruas da vila de Guimarães e para outras quaisquer coisas que os mandem chamar, posto que vivem quatro léguas de Guimarães e não são do seu termo e assim eram os de Fão e Esposende se não o duque Dom Afonso que Deus tem por muitos serviços que lhe fizeram os tirou da dita sujeição e os deu a Barcelos por termo por que viviam mais perto dele e todos os privilégios principais que depois foram outorgados pelos reis a Lisboa e aos outros lugares do reino dessem eles assim que pela maneira que os termos outorgados a nossa mui nobre e sempre leal vila de Guimarães."

[Luciano Ribeiro,  "Uma descrição de Entre Douro e Minho por Mestre António", Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. 23, fasc. 3-4, Porto, 1959, p. 459.]


Note-se que Mestre António não faz qualquer referência à transmissão de Barcelos para Guimarães das freguesias de Cunha e Ruilhe, com a obrigação de os seus moradores assumirem a servidão vexatória a que estariam sujeitos os moradores ou, conforme as versões, os vereadores barcelenses.  Por outro lado, indica que Fão e Esposende teriam idêntica sujeição, tendo sido passadas pelo primeiro Duque de Bragança, D. João, do concelho de Guimarães para o de Barcelos, por ficarem "mais perto dele".  Mestre António é claro quanto à origem desta costumeira: aquelas freguesias eram lugares onde os desertores de guerras foram degredados e "dados como tributários à dita vila de Guimarães", não fazendo qualquer referência a Ceuta. Por outro lado, com base neste documento,  podemos concluir pela falta de consistência da tradição de que teria sido o Duque D. Jaime a entregar a Guimarães as freguesias de Cunha e Ruilhe, para libertar os de Barcelos da servidão a que estariam sujeitos. A existir, Mestre António não a poderia ignorar: escrevendo o seu Tratado em 1512, teria sido contemporâneo da suposta transferência, uma vez que D. Jaime apenas chegou a Duque de Bragança no ano de 1500. Por outro lado, note-se  que, havendo uma versão desta tradição que diz que foi o Duque D. Afonso o responsável pela transferência daquelas freguesias de Barcelos para Guimarães, na obra de Mestre António apensas se encontra notícia do movimento em sentido contrário das freguesia de Fão e Esposende.

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