O pau da cabeleira de António Lobo de Carvalho

Faustino Xavier de Carvalho (1820-1869)

O poeta satírico português Faustino Xavier de Novais (n. Porto, 17 de Fevereiro de 1820), foi um dos colaboradores do Periódico dos Pobres do Porto, onde escrevia com o pseudónimo Saturno. Entre 1852 e 1857 dirigiu a revista "O Bardo, jornal de poesias inéditas", que então se publicava na sua cidade natal. Nos últimos anos da sua vida, deixou o Porto, mudando-se para o Brasil, segundo Camilo Castelo Branco por causa de "um amor baixo, ignóbil até a miséria". Morreu no Rio de Janeiro, em 1869. Na obra "Cartas de um roceiro", publicada no Rio de Janeiro, conta uma história curiosa, envolvendo o poeta vimaranense António Lobo de Carvalho. É a seguinte:



"Ouvindo isto ocorreu-me outra história do vizinho Gaudêncio.

Conta ele que um antigo poeta satírico, chamado António Lobo de Carvalho, era homem de vida irregular, e vingativo por natureza.

Sujeito, ou sujeita, que lhe não satisfizesse todas as vontades, podia contar com um soneto mordacíssimo, e imundo muitas vezes, na linguagem, mas notável sempre pelo aticismo. O poema espalhava-se, e o herói ensurdecia, atordoado pelas gargalhadas com que o povo o saudava na passagem! Já V. vê que isto devia acarretar-lhe um numeroso exército de inimigos.

Avisaram-no um dia de que se tramava contra ele um horrível plano de vingança.

Alguns indivíduos, armados, haviam de introduzir-se em um pátio, sobre o qual olhava uma janela do seu quarto de dormir. Depois bater-lhe-iam à porta, e quando ele deitasse a cabeça fora da janela, para saber quem o procurava, a resposta voaria das bocas das espingardas, em uma furiosa descarga.

O poeta ficou ciente. Às horas do costume tirou a cabeleira, pendurou-a na cabeça de pau que tinha para esse fim, como eu tenho, apagou a luz e deitou-se, com tenção de dormir sossegadamente. Enganava-se. Bateu-se à porta.

Às escuras, como estava, e tendo deixado levantada a vidraça, abriu uma das portas da janela, sem ruído algum, pôs-se em guarda, espetou a forma da cabeleira em uma vara a propósito, estendeu-a para fora da janela, o perguntou: "Quem está aí?".

Uma descarga foi a resposta, e o poeta, com todo o sangue frio, chegou então à janela, e disse para baixo: "Agora, meus amigos, vão…"

Não sei bem onde ele os mandou, nem sei se eles foram; sei apenas que o poeta passou bem o resto da noite, porque só fora ferido no combate o pau da cabeleira."

Faustino Xavier de Novais, Cartas de um roceiro, Rio de Janeiro, 1867, pp. 388-389

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