Guimarães: mãe ou madrasta?



Se acaso em Guimarães um rio houvera

com ninfas pelas margens em cabelo

e espuma donde brota a de Citera

 
Eu cantaria o Rei e o seu Castelo,

a velha Igreja, Mumadona austera,

Pedralva – o Velho, e até qualquer camelo,

 
Se acaso em Guimarães tal coisa houvera.

[M. Branco de Matos, Este Chão, Esta Cidade (Guimarães – um roteiro poético), Guimarães, 2008, p.7]



Gostar de Guimarães não se constrói, nasce connosco.

Costuma dizer-se que Guimarães é "má mãe e boa madrasta".




Um dos traços que mais me fascina em Guimarães está no modo aberto como esta cidade encanta e se deixa amar por aqueles que a descobrem. Ao longo dos tempos, muitos têm sido os que, vindos de outras paragens, entre tantas escolhas possíveis, elegeram Guimarães para viver. É que, se ninguém escolhe a terra onde nasce, está ao alcance de qualquer um escolher a terra onde quer viver e fazê-la sua. Guimarães é uma terra generosa, acolhedora e franca. Boa mãe, para os seus filhos e para todos os que a adoptam como mãe. Sempre foi assim.

Poderia deixar aqui um longo rol de nomes de vimaranenses que vieram ao Mundo em outros lugares e que em Guimarães deixaram a marca das boas obras.

(Assim como poderia indicar uns quantos que, nascendo dentro dos muros do velho burgo, se foram daqui e não mais deram sinais de afeição pela terra que lhes escutou o primeiro choro.)

É por isso que me causa uma certa pele-de-galinha a conversa de que Guimarães é má mãe e boa madrasta, especialmente quando aparece na boca de pessoas lúcidas, mas que, porventura, não serão imunes às manifestações um tanto primárias de um certo fundamentalismo bairrista.

Num dos últimos dias do último ano, foi lançado um livro de poesia muito bonito, que é uma das mais belas manifestações de amor a Guimarães escritas em  verso que eu conheço. A sessão foi um acto de amor inteligente a esta cidade. Ainda me lembro como, a certa altura, reparei que, ao meu lado, na mesa onde eu fazia o papel de anfitrião, estavam o autor do livro, a pessoa a quem coube a sua apresentação e o primeiro responsável autárquico de Guimarães. Todos eles são vimaranenses com obra feita em Guimarães. Sei que cada um deles, à sua maneira, aprendeu a amar esta cidade. No entanto, nenhum nasceu em Guimarães.

Certo dia, na altura em que, há alguns anos, a roda do destino me atirou para algo que não fazia parte do meu projecto de vida, colocando-me à frente da Sociedade Martins Sarmento, um grupo de pessoas veio ter comigo, com a intenção de me dar os parabéns, porque, "finalmente, havia um vimaranense à frente de uma instituição de Guimarães". Confesso que o propósito daquela embaixada, sei que bem intencionada, me tocou como um murro no estômago. Com aquele gesto, estava-se a negar a cidadania vimaranense à pessoa a quem substituí, num momento em que as suas cinzas ainda nem sequer tinham arrefecido. De seu nome Joaquim António dos Santos Simões, foi, de todas as pessoas com quem até hoje trabalhei, aquela que mais generosa e persistentemente dedicou a sua vida a Guimarães (e a quem esta cidade tanto deve). Na cabeça pequenina daquela gente, não era um vimaranense. Enganavam-se duplamente: porque poucos terão sido vimaranenses como Santos Simões (e eu não conheço nenhum que demonstrasse um afecto mais genuíno por esta cidade) e porque eu, por acaso, embora haja por aí muita gente que pensa o contrário, também não nasci em Guimarães.


Confesso, a quem julgar que isso possa ser um defeito, que o meu modo de gostar de Guimarães não me veio do nascimento: é uma construção, tecida com  razão e afeição, de que me orgulho.

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1 Comentários

alfacinha disse…
visitei o ano passado e espero que visite Guimarães mais uma vez no próximo ano. Vala a pena