Do Capitão Luís de Pina, militar e artista vimaranense (entre as suas obras conta-se saudoso Café Oriental), defensor da causa republicana, aqui fica um texto publicado na Alvorada, no início de 1911:
Sosseguem...
Quem ouvir a oposição fazer grande celeuma por falta das constituintes ou por abuso da justificada ditadura do governo provisório e não estiver bem precavido ou orientado do que realmente têm sido entre nós as eleições para deputados, há-de naturalmente supor que desde o dia 5 de Outubro tudo corre mal por falta de parlamento, e que elas se deviam ter realizado desde logo.
Ora o governo provisório não devia fazer eleições pela ignóbil porcaria, e uma lei eleitoral não podia decretar-se do pé para a mão sem aturado estudo fundamentado nas conveniências da acção reformadora das novas instituições, às quais o governo devia prestar todas as suas mais urgentes atenções e energias, sem perder de vista a sua própria e indispensável defesa, porque os inimigos são numerosos e atrevidos, uns por conservantismo piegas, outros por conveniências partidárias de arranjos, e muitos, como o povo inculto, que é a grande maioria, por supor a República uma coisa detestável, cuja síntese e o roubo, o latrocínio.
E, decretada a nova lei eleitoral e chamado o país para a boca da urna, imaginar-se-á que vai ali a consciência e a vontade livre dos eleitores?
Como estão enganados…
No actual estado de educação do povo as eleições não podem representar mais que uma farsa, cujo principal papel cabe ao caciquismo, que há 60 anos tem servido de comparsa a uma ditadura a que se tem chamado constitucionalismo, e em que a maioria pertencia sempre, invariavelmente, àquele dos dois partidos que se revezavam no poder.
Por muito tempo ainda a urna deixará de representar a consciência livre do país, porque a grande maioria ignora o importante papel cívico que perante ela tem a desempenhar, e é levado como um rebanho obediente de carneiros indiferentes.
Desde que assistimos de perto às últimas eleições em Braga, nenhuma significação elas têm para nós, no campo monárquico.
Vimos ali anafados sacerdotes, suando como bois, visivelmente cansados por uma torpe galopinagem, redemoinharem à roda das urnas, de olhar perscrutador, risonhos do seu predomínio num povo embrutecido, enquanto este, como em S. Victor, olhava, indiferentemente criminoso, para o estado de ruína e de desolador desconforto do edifício escolar, ao centro de cuja sala o regime, por escárnio e por seu peculiar egoísmo, colocava a mesa da assembleia, em risco de desaparecer nos boqueirões abertos no pavimento, tão podre como as instituições que assim patenteavam um dos seus corpos de delito em crimes de toda a espécie.
E esse povo, com bastante mágoa nossa, lá ia de lista na mão votar nos réus de tão descarado desleixo, concorrer com o seu voto, inconsciente ou forçado, para a continuação da bambochata nacional.
Como um tremendo protesto contra tamanha imoralidade surgiu então um oportuno pontapé na urna do Souto, que fez voar em várias direcções as listas de diversos matizes; pontapé que foi numa apoteose, o mais eloquente e formal desdém por um acto que nada significava em vésperas da derrocada salvadora.
Capitão Pina.
in Alvorada, n.º 9, 1.º ano, Guimarães, 21 de Janeiro de 1911
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