O 7.º centenário da Morte de Afonso Henriques em Guimarães (9)

Monumento a D. Afonso Henriques
Julgamos poder noticiar que efectivamente se não realizará no dia 6 do próximo mês de Dezembro a solenidade do lançamento da primeira pedra do monumento que nesta cidade se vai erigir ao venerando fundador da monarquia, e que, por conseguinte, se não celebrará oficialmente o septicentenário do glorioso herói. É isso o que consta da resolução tomada pela Câmara Municipal em sua sessão de 18 do corrente, e o que foi comunicado ao digno presidente da comissão central do monumento em ofício de 19.
É certo também nunca oficialmente se resolveu que se celebrasse o septicentenário, e que tudo o que a este respeite se tem dito e propalado, não passa de bons desejos dos que, tomando a nuvem por Juno, imaginaram já resolvido e deliberado o que era só sugerido pela sua fantasia de patriotas à outrance.
Historiemos, para darmos por provado o que dizemos.
A ideia da celebração do sétimo centenário de D. Afonso Henriques apareceu a público há um ano, pouco mais ou menos, num artigo do “Comércio do Porto”, se bem nos recordamos. A comissão do monumento tratava então ainda dos meios de dar realização ao seu objectivo, pondo-se em relações com o afamado escultor Soares dos Reis, para ouvir a sua opinião a respeito do monumento, e combinar com ele as bases dum contrato para a sua construção. A meio caminho destas relações e adoecendo gravemente o sr. Soares dos Reis, a comissão teve de esperar pelo seu restabelecimento para prosseguir nas negociações encetadas. Só depois de muito tempo é que as negociações se reataram, tendo-se fechado o contrato ainda apenas há cerca de dois meses.
Para se não mostrar refractária aos estímulos patrióticos, que já então fervilhavam, fez inserir nas condições do contrato uma [cláusula], pela qual os srs. Soares dos Reis e José António Gaspar se obrigassem a ter pronto, no dia 6 do Dezembro, o trabalho necessário para se poder fazer nesse dia o lançamento da primeira pedra, isto para acautelar a possibilidade de se resolver que efectivamente se fizesse nele essa solenidade. Mas isto não foi resolver que ela se fizesse, nem a Comissão, simples delegada da Câmara, o poderia resolver definitivamente, sem a ouvir e sem conseguira sua anuência.
Depois suscitaram-se novos embaraços sobre a escolha do local para a erecção do monumento, em vista da provável remoção da igreja de S. Sebastião, e isto veio dar ainda ocasião a que se demorasse a resolução definitiva do lançamento da primeira pedra no dia 6, tendo a comissão de consultar a esse respeito os srs. Gaspar e Soares dos Reis, de propor à Câmara, em vista do voto destes e de outras pessoas autorizadas, que o local fosse o centro da actual praça regularizada do Campo de S. Francisco, suscitando-lhe por essa ocasião a lembrança de se comemorar o septicentenário da morte de D. Afonso Henriques, lançando-se solenemente a primeira pedra do monumento no dia 6 de Dezembro. Esta proposta, perfeitamente concorde com as anteriores deliberações da comissão, foi feita à Câmara em ofício do digno presidente da comissão em data de 11 do corrente, quando já por aí se desfraldavam ao vento as velas do mais exaltado patriotismo, pedindo-se voz em grita a celebração do centenário, e dando-se até como coisa já resolvi da. Nada havia porém decidido, como se vê, e a Câmara, que, em sessão do mesmo dia 11, resolveu que o local para a erecção do monumento fosse realmente o indicado pelos snrs. Soares dos Reis e José António Gaspar, nada resolveu a propósito do lançamento da primeira pedra, guardando-se, prudentemente, para tomar a este respeito uma resolução conveniente, depois de estudar os meios de que podia dispor para essa solenidade em tal dia, e o conjunto de todas as circunstâncias de tão momentoso assunto.
Afinal, em sessão de 18 do corrente, e tendo ponderado bem todas as circunstancias do assunto, resolveu, o que a nosso ver todas essas circunstâncias lhe aconselhavam - que sentia não poder abraçar a lembrança suscitada pela comissão, porque, exigindo a inauguração solene de um monumento ao fundador da monarquia festejos brilhantes que custavam avultadas despesas, ela não tinha em seu orçamento verba para ocorrer a tais despesas, nem podia, na presente ocasião, votá-las em orçamento suplementar, por não ter onde buscar receita para lhes fazer face.
Estas foram as razões em que a Câmara fundou a sua resolução sensatíssima, e assim o comunicou ao digno presidente da comissão, em ofício do mesmo dia 13. Mas a Câmara poderia ainda acrescentar a estas, outras razões, que decerto influíram também na sua resolução, e que são as que acodem naturalmente a quem pensa um pouco despreocupadamente desta questão, sem os desvairamentos duma paixão exaltada, mas sob os influxos dum verdadeiro sentimento patriótico.
Estas razões seriam as seguintes;
O lançamento da primeira pedra dum monumento a D. Afonso Henriques, na celebração do seu septicentenário, e em Guimarães, berço do herói, deveria ser uma festa de tal modo imponente, principalmente depois que impensadamente ela foi anunciada como já resolvida para se fazer com toda a magnificência, que nem se desconsiderasse o seu glorioso objectivo, nem se desonrasse a terra que lha promovia. Ainda que houvesse os meios, que a Câmara não tem, nem a comissão, e que, apesar de quantos hourras pelo centenário para aí temos .ouvido, não sabemos que ninguém tenha promovido, seria possível, em tão curto espaço de tempo, projectar-se e realizar-se essa magnificente solenidade? Ainda que isso fosse possível, seria prudente arriscar tantos trabalhos, tantas despesas, tantas magnificências aos potabilíssimos aguaceiros dos desabridos dias de Dezembro? Queriam que os forasteiros, convidados pelos anúncios pomposos das festas, viessem a Guimarães , somente para ver os projectos grandiosos delas?
Ou, por outro lado, queriam que a terra passasse de novo pela vergonha dum outro centenário, como o de S. Dâmaso, no ano findo?
A resolução camarária foi pois acertadíssima. Oficialmente, não haverá celebração do septicentenário, nem, para não dar ocasião a desgostos, se fará o lançamento da primeira pedra do monumento no dia 6 de Dezembro. A terra tem oficialmente salva a sua dignidade. Os patriotas sensatos e prudentes aplaudem-se na resolução da Câmara, e no circunspecto procedimento da comissão. Os centenaristas enragés, esses podem fazer a sua celebração do centenário, mas a terra nada tem com isso. A esse porém, ousaríamos nós lembrar uma coisa: é que se não brinca assim com a dignidade duma povoação, nem se mancham os seus arminhos com os fumos arruaceiros de festas... de fantasia.
E a respeito de centenário, pomos aqui ponto.
Religião e Pátria, n.º 43, 38.ª série, 25 de Novembro de 1885

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