O advento da nação, segundo Luís de Magalhães

Luís de Magalhães
O facto histórico, de que a cidade de Guimarães celebra o oitavo centenário pode bem considerar-se a primeira afirmação do nosso espírito de nacionalidade, o nosso primeiro assomo de independência política.
Essa aspiração não brotou da alma dum Príncipe ambicioso e sedento dum domínio absolutamente autónomo nos seus estados. D. Afonso Henriques era apenas um adolescente, quando o recontro de S. Mamede se deu. Por maior que fosse a precocidade desse soberano, tão valoroso e heróico homem de armas como político, – e, muito novo ainda, sobejas provas deu ele dessas qualidades supremas na individualidade dum imperante, – não se pode supor que um rapaz de dezasseis anos houvesse sido o agente principal, cabeça e braço dum feito que demandava faculdades de visão politica e de mando militar que só uma longa experiência dos homens e dos negócios públicos e uma consumada pratica das coisas da guerra poderiam dar a quem o tentasse.
Não, esse arranque glorioso não foi a obra exclusivamente individual dum chefe subordinando os súbditos ao seu pensamento e à sua vontade. Foi uma obra colectiva, a expansão vital duma pátria em embrião. E os grandes instrumentos dessa aspiração foram os antigos cavaleiros do Borgonhês, os barões do Condado Portucalense, os Mendes da Maia, os Monizes e Coelhos de Riba-Douro, os castelões, os ricos-homens da terra minhota, que viam em D. Teresa, manejada pelo senhor de Trava, um agente de Afonso VII, trabalhando pela manutenção, aqui, do feudo leonês.
A nação portuguesa nasceu verdadeiramente nessa data. Aí, dum Condado feudatário, ela tornara-se numa Monarquia autónoma. E tão fortemente esse separatismo se radicou que, tendo-se fundido ulteriormente num só todos os outros estados hispânicos, o que se formou na jornada de S. Mamede se tem conservado firme e resistente através de oito séculos, perpetuando, na Península Ibérica, o dualismo nacional que é ainda hoje, – e esperamos que sempre o será, – a sua inalterável estrutura política.
Luís de Magalhães.
(A Ilustração Moderna, n.º 25/26, Julho-Agosto de 1928, Porto, pág. 186)

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