À volta do Guimarães das "duas caras" (6)

A cara que ornamenta a couraça da armadura do Guimarães, sendo um pormenor irrelevante, deu origem a uma tradição que perdurou e que se colou à imagem de Guimarães e dos seus moradores. Há, todavia, na estátua, um elemento que, a nosso ver, será bem mais significativo, com clara intenção simbólica, que tem sido ignorado por completo: o emblema inscrito no escudo do guerreiro, representando uma árvore que envolve, com as suas raízes, um animal. É este elemento que sustenta a nossa convicção de que o Guimarães foi esculpido com a manifesta intenção de ser assumido como a personificação da cidade.

Emblema do escudo do Guimarães (Fotografia de Agostinho Ferreira)

A árvore do escudo é a oliveira, elemento que, desde a Idade Média, está associado a Guimarães, figurando no brasão da cidade. Trata-se da representação da oliveira que dá o nome à Praça Maior de Guimarães, que esteve na origem de uma notável série de milagres, registados em meados do século XIV. O animal é um leão, que em geral se associa ao poder, à justiça, à força e à nobreza. Porém, aqui não está representado na sua posição de majestade, o leão rampante das representações heráldicas, mas sim deitado e subjugado pela oliveira, que se lhe sobrepõe e o domina com as suas raízes, que o envolvem como uns longo dedos asfixiantes. O que ali vemos é um leão caído e derrotado.

Se a oliveira representa Guimarães, vejamos o que representa este leão dominado. O leão foi assumido pelo rei Afonso IX nas suas armas reais, tornando-se na insígnia dos seus sucessores. Está presente, desde sempre, nas armas reais de Espanha. Nos brasões portugueses, simboliza, em muitos casos, uma aliança com a casa real de Leão (Espanha) ou uma concessão por ela outorgada. A figura do leão está, assim, associada a Espanha.

Iluminura representando Afonso IX, com o leão das suas armas pintado no escudo.

Eis o que representa o emblema do escudo do guerreiro da Casa da Câmara: a oliveira que venceu o leão. Guimarães que resiste e que vence Espanha, numa referência à contribuição desta terra para a génese da nacionalidade portuguesa, com a independência conquistada contra Espanha, à afirmação da nacionalidade em 1385, com D. João I e à sua recuperação, em 1640, e subsequentes guerras da restauração, que ainda perdurariam nas memórias de muitos vimaranenses quando a estátua foi erigida.

O nobre guerreiro que espreita a praça da Oliveira, do alto da antiga Casa da Câmara, é Guimarães que se contempla a si própria.



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