Importante foi o papel representado por este nosso patrício, granjeando-lhe um nome imortal, nos fastos da nação. Estêvão do S. Paio nasceu nesta cidade, então vila, na primeira metade do século XVI recebeu o hábito no convento dominico de Lisboa, onde se tornou célebre pelo seu talento e ciência.
Era muito afeiçoado à nobre casa do Vimioso e por isso seguiu como esta o partido de D. António, prior do Crato, que era o partido da independência da pátria. Tão saliente se tornou o nosso vimaranense que os espanhóis lhe deram a merecida recompensa, encarcerando-o em hórrida masmorra.
Conseguindo evadir-se dirigiu-se para França e aí tão optimamente aproveitou seu tempo na cultura das letras, que recebeu o grau de doutor era teologia na Universidade de Tolosa. Perito no latim foi encarregado de verter para esta língua as crónicas e livros portugueses que se ocupassem da ordem dominicana e traduziu a “Vida de S. Fr. Gil”, a de “S. Gonçalo de Amarante”, a “Conversão de S. Pedro Gonçalves”, a “Vida de Pr. Paio, primeiro prior de Coimbra”, a de “S. Lourenço Mendes” e a de “Fr. Pedro", porteiro do convento de Évora, sendo estas obras impressas em Paris num volume a que deu o título – “Thesaurus Arcanus Lusitanus Gemmis Refulgens”, dedicado ao bispo de Angers, capelão de Carlos IX e Henrique III de França. A esta obra vem unido um catálogo dos gerais da Ordem, cardeais e varões insignes que a ela pertenceram, que todavia não se reputa muito exacto. Por seus trabalhos também se publicaram em 1596 algumas das obras de S. Tomás a que ele antepôs um prefácio.
O assíduo labor literário não o fazia esquecer da sua querida pátria que via sujeita ao domínio espanhol. Aparecendo em Veneza um indivíduo, Marcos Tullio Catizoni, que se dizia ser o malogrado Rei D. Sebastião e que era o quarto que por tal se inculcava, sendo também o que mais vivas impressões deixou, Estêvão de S. Paio, influenciado por D. João de Castro, parte para Veneza reconhecer a identidade do monarca, sofrendo horrível decepção porque imediatamente se convenceu que o pretendido rei não passava dum impostor, que buscava explorar a credulidade e patriotismo de muitos portugueses emigrados em Itália; tinha porém avançado muito e não era possível recuar.
Desta época, 1600,é a sua obra “Juramentum Regis Aldefonsi Primi Portugaliae Super Approvatione et Confirmatione Visionis in Campo Auriquii”, obra de propaganda a favor da causa nacional.
Devotado à causa da pátria, seguiu os passos do Rei em que ele antevia um incentivo para levantar os ânimos portugueses e sacudir o ominoso jugo de Castela. Empregou todos os esforços para conseguir a liberdade do italiano, encerrado primeiro em Nápoles e depois entregue por perfídia à Espanha, que o condenara às galés. O nosso patrício não cessou de socorrer e auxiliar com dinheiro o condenado, o que sabido do governo espanhol, foi causa de se buscar por todos os meios haver à mão tão fervoroso patriota.
Preso cm Trás-os-Montes foi enviado para San Lucar de Barrameda, onde, instaurando-se-lhe processo, foi executado a 30 de Agosto de 1603.
O inteligentíssimo Fr. Estêvão de S. Paio, como escreve o Dicionário Popular, merece o reconhecimento e o afecto de todos os portugueses, porque foi levado a fazer tudo o que fez pelo vivo desejo que tinha de restituir a independência à sua pátria e foi por conseguinte, expirando em San Lucar de Barrameda, um Mártir da causa nacional.
[João Gomes de Oliveira Guimarães, in O Espectador, n.º 43, Guimarães, 28 de Agosto de 1884]
Nota: O nome deste dominicano, com uma história de vida tão curiosa e atribulada, também pode aparecer escrito com Sampaio, por extenso, em vez de S. Paio.
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