Outros Carnavais: o de 1857 (2)


Segunda notícia de A Tesoura de Guimarães sobre o Carnaval de 1857. O bando que se segue, lido no dia 1 de Fevereiro daquele ano, é da autoria de António José de Oliveira Cardoso, poeta, dramaturgo e cónego da Colegiada de Guimarães.

Bando – Teve lugar no último domingo, como havíamos anunciado, para por ele se dar princípio às festas do Carnaval. Às cinco horas da manhã os foguetes, os tambores, bombos e música despertaram os habitantes desta cidade. Ao meio-dia saiu o bando e recolheu à noite. O pregoeiro ia em carrinho descoberto, e as outras figuras alegóricas que o precediam, e seguiam, a cavalo; tudo ricamente vestido, e os cavalos soberbamente ajaezados. Após isto seguiam-se cem máscaras, pouco mais ou menos, a pé, tocando tambores e bombos com tal cuidado, que não obstante as recomendações para haver silêncio, mal se podia ouvir o seguinte


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BANDO DO CARNAVAL


Recitado


POR


João Pereira da Cunha


No dia 1 de Fevereiro de 1857

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Um exórdio fazer é velha usança,

Mesmo em arengas de qualquer festança,

Mas eu não o farei, que usança antiga

Do clarão do progresso é inimiga.

E donde deveria ser tirado?

Da grandeza da festa? era escusado,

Já todos sabem que o faceto Entrudo

Em grandeza, em fulgor excede tudo.

Quem há por essas ruas da cidade,

Que já não arrebente com saudade,

Do carro em que Neptuno refulgia

Entre coros de mélica harmonia?

Quem há nessas aldeias mais remotas,

Que com riso não ande as cambalhotas,

Somente de passar pela lembrança

Essa dos velhos tão chistosa dança?

Pois agora os caixeiros e os artistas

Outras cenas vão dar-vos nunca vistas,

E que pelo seu brilho surpreendente

Farão cair o queixo a toda a gente,

Sem que as venha turbar a guerra bruta

De laranjas e pós, que tudo enluta,

Pois pela ilustração enfim banida,

Nem lá na Lourinhã achou guarida.

E se alguém a atear, coitado dele!

No pelourinho se lhe tira a pele;

A lei é clara, e o rábula mais fino

O réu não salva do cruel destino,

Pois bem rebateremos suas tretas

Com outras que aprendemos nas gazelas,

Que felizmente agora são tão bastas.

Que mesmo aqui as há de duas castas;

E se não falham diligências várias,

Cedo teremos novas luminárias,

De modo que será o clarão tanto,

Que até mesmo em Paris fará espanto.

Guimarães! já faz gosto ser teu filho,

Jornais, teatros, bailes, tudo é brilho;

Os velhos nem precisão de lunetas,

Porque basta-lhe a luz das tais grizetas,

Té os meninos com a luz imensa

Os olhos abrem logo na nascença.

Mas vós, filhas gentis da pátria amada

Segui também da ilustrarão a estrada,

Não atraseis com a indolência vossa

O progresso em que vai a terra nossa.

Eu sei que já do tempo a maior parte

Gastais em namorar com graça e arte,

E que até na perfídia estais tão dextras,

Que podeis com razão chamar-vos mestras.

Sei que nas horas vagas do namoro

Rara vez à costura pagais foro,

E que é só vosso gosto dominante

Do romance a leitura interessante,

Mas se nisso o progresso haveis seguido,

Ficais estacionárias no vestido.

Não digo que arrisqueis vossa existência

Por causa do bom-tom, é imprudência

Trajar saias-balões, pois pode o vento

Elevar-vos ao ar, e num momento

Despenhar-vos aí na foz do Relho,

Ou lançar-vos lá fora do concelho.

Mas se excessos reprovo em coquetismo,

Não aprovo o que cheira a fossilismo.

Vergonha desta terra! inda encocado

Na mantilha trazeis o rosto amado?

Nasce no prado a rosa, e a natureza

Não lhe cerca de nuvens a beleza.

A mantilha é retrógrada, queimai-a,

Ao menos no fumeiro pendurai-a,

Que o tempo já passou da sua glória,

E apenas ficar deve para a história.

Sócios, cumpri meu alto ministério

Com frase de bom gosto, e com critério,

Cumpri o vosso pois, mas com tal jeito,

Que já da ilustração mostreis o eleito;

É bárbaro o tambor, se tanto soa,

Que os mais duros ouvidos atordoa,

De mansinho rufai, conheça o povo

Que até nisso é melhor o gosto novo.

A. J. O. Cardoso.


[A Tesoura de Guimarães, n.º 43, Guimarães, 3 de Fevereiro de 1857]

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