Novais Teixeira: vimaranense e cidadão do Mundo

Novais Teixeira, à direita, durante a entrevista a Fernandez Florez

Joaquim Novais Teixeira foi um dos vimaranenses que mais se destacaram ao longo do século XX, apesar do seu nome ter praticamente caído no esquecimento entre nós. Jornalista, no início da década de 1930 era correspondente em Espanha da revista Ilustração. Assistiu, à queda da monarquia e à implantação da II República espanhola, na qual assumiria funções de destaque, nomeadamente junto do Presidente da República, Manuel Azaña Diaz, a quem acompanhou durante a Guerra Civil. Instaurada a ditadura em Espanha, viveria no Brasil e em França, continuando a exercer o ofício de jornalista, tendo assumido grande prestígio internacional como crítico de cinema. O texto que aqui damos foi publicado na Ilustração de 1 de Agosto de 1930.




A visão séria de um humorista.

Wenceslao Fernandez Florez

Negação do político em voga, fala à “Ilustração” da situação política espanhola

É esta a primeira entrevista que eu faço em Espanha sobre o actual momento político. E não estou arrependido, louvado seja Deus! Tenho-me esquivado deliberadamente a diálogos desta natureza, a dar-lhes pelo menos pública fé, porque não creio na seriedade dos políticos, na seriedade política dos políticos» entenda-se bem. É claro que esta minha opinião, falível como todas as opiniões, não exclui a ideia de que possa haver realmente um político com seriedade política. Mas eu não acredito.

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Qual a sinceridade das entrevistas políticas? Têm elas alguma eficácia para o apuramento da verdade? Que responda a consciência do próprio político, se há por aí algum político com consciência reconhecida, ou que responda a consciência do próprio jornalista, quando o jornalista se der ao luxo de carregar com tão pesado atributo. Ou apele-se ainda para uma outra consciência – a consciência do público – perante a qual, políticos e jornalistas, andam, em regra, a representar dois papeis complementares duma mesma comédia: a comédia dos seus altos destinos. Fingindo, uns, que sabem tudo o que dizem e dizem tudo o que sabem, simulando, os outros, que entre tudo o que sabem e dizem – e não dizem mais porque não sabem – se oculta o enigma cuja decifração, eles, os grandes ladinos, vão arrancando, por via do olho sagaz, à cautela ou à ignorância do político que em má hora se pôs ao alcance das suas setas fulminantes. E mentindo, uns e outros, mais ou menos conscientemente, na medida dos seus interesses particulares e políticos, quando não literários, como nalguns casos específicos, em que o jornalista, famosa besta de circo, nutrida e folheira, impando sob os arreios das suas ocas sonoridades, porejando matérias sediças, campeia empavonado num alarde de ostentação mirífica, sevandijando-se aos afagos sentimentais dum público desprevenido que lhe acaricia a garupa espumante e encasqueta uma nova cabeçada, que é todo o seu orgulho.

Colegas, mais avezados neste género de entrevistas sensacionais, têm procurado visar o alvo político espanhol, interrogando o político. Outros, mais interessados em colher-lhes o fruto, têm tentado visar o seu próprio alvo, servindo-se do político condescendente. Outros, ainda, têm-se limitado a servir o político, sem que o político se dignasse servi-los a eles no apuramento da ambicionada verdade. Qualquer destes processos peca, quanto a mim, de desonesto ou ineficaz.

A ciência política do político peninsular é matéria acessível a todo o cérebro atento, que sobre ela pode opinar com o mesmo conhecimento de causa e com mais garantias de imparcialidade. Daí que preferisse eu, sempre que o dever me encaminhou para essa senda dolorosa, opinar por minha conta e risco, acorrentado à firme convicção de que melhor servia assim a legítima curiosidade dos meus leitores.

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Mas o homem põe... e a Ilustração dispõe. A voz amiga do seu Director exigia-me uma entrevista de Carácter político. Queria um depoimento autorizado sobre a emaranhada situação política deste país. E veio-me surpreender com este telegrama categórico:

“Mande urgente próximo número entrevista política homem representativo.”

Que fazer? Eu já lhes disse que não tenho fé nas entrevistas políticas. Surpreender a boa fé da Ilustração, mandando-lhe como boas umas declarações que reputaria más? O conflito era grave. Lancei-me numa grande meditação. E meditando, meditando vim cair nesta tábua salvadora: o telegrama não impunha, como condição expressa, que o entrevistado fosse um político profissional. A ideia do ludíbrio ganhou proporções infranqueáveis. E fui à cata dum homem representativo, sincero, que oferecesse garantias de seriedade, à margem das lutas partidárias do momento. Um escritor? Mas, onde se apanha hoje um escritor espanhol que não seja um político militante?... Uma excepção? Onde encontrar uma excepção? Eureka! Fernandez Florez! Eis o homem! A sua autoridade de crítico social, que tem assestado contra a política os seus dardos mais mordazes, daria categoria ao depoimento. De resto, pôr um humorista em contacto com uma tragédia é buscar o efeito de contrastes estridentes e às vezes luminosos.

Foi assim que eu ludibriei a Ilustração e dei começo a esta entrevista política.

[...]

Assuntos tratados na entrevista de Novais Teixeira a Fernandez Florez: Acerca da seriedade dos políticos e da eficácia das entrevistas políticas – políticos velhos e políticos novos – o escritor espanhol durante a ditadura – iberismo e federalismo – plutocracia, exército e clero – alguns vultos políticos espanhóis vistos pelo grande humorista – o problema da Catalunha – o perigo espanhol, trampolim de interesses – será possível a democratização da monarquia espanhola? O texto completo está disponível em: Ilustração Portuguesa

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