Destruir, por João de Meira

João de Meira

No jornal o Independente, de 16 de Abril de 1905, saiu uma nota sobre a intervenção que, na altura, a Câmara pretendia levar a cabo no Toural. Tendo saído sem assinatura, o texto é de João de Meira. Aqui fica:

"Destruir é a única forma por que a actual Câmara Municipal de Guimarães concebe o melhorar.

Destruir o arvoredo da alameda das Taipas, foi uma forma, segundo ela, de melhorar aquela estância termal.

Destruir a fiscalização efectiva e inteligente da corporação dos Bombeiros Voluntários sobre a canalização das águas públicas, foi, segundo ela, a maneira de melhorar e regularizar o serviço da sua distribuição.

Destruir as grades do Jardim do Toural parece ser hoje o seu grande desideratum, o projecto para cuja realização trabalha com afadigado ardor, a câmara municipal.

Já a vereação de 99 a 901, que militava no mesmo campo político que a de agora, se assinalou pela devastação do arvoredo do mesmo jardim.

Esta vai mais além, e propõe-se espatifar as grades porque lhe ferem o senso estético demasiadamente apurado.

O Jardim público de Braga, o de S. Lázaro no Porto, mesmo o da Cordoaria, todos têm grades que ninguém se lembrou ainda de arrancar. Mas Guimarães na vanguarda do progresso quer o jardim aberto e franco, para gozo dos noctívagos bêbados e dos amorosos cantaridados que não encontrem outro lugar mais propício para as suas expansões afectivas ou para a digestão do seu vinho.

A Câmara tem o exemplo de quanto é prejudicial essa medida no jardim do Largo de Martins Sarmento, onde não pára uma flor e onde apenas podem crescer à vontade cactus e árvores de grande porte.

Mas a Câmara quer deixar o seu nome radicado a qualquer obra. Que ela seja boa, que ela seja má não lhe importa. O essencial é que seja célebre.

É o delírio daquele Erostrato que para ser falado incendiou o templo de Diana, uma das sete maravilhas do mundo.

Vá senhores, as grades do Jardim do Toural! E depois, não façam cerimónia, podem ir também as da Praça do Mercado e mais algumas que por aí hajam.

Ao menos faz-se alguma coisa, enquanto não começa a anunciada contradança dos marcos fontanários, que é também um dos grandes melhoramentos que a Câmara tem no seu grandioso plano de aperfeiçoamento material desta desgraçada cidade."

[João de Meira, in Independente, Guimarães, 16 de Abril de 1905]

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