O Toural no último quartel de oitocentos

O Toural em 1884. Foto da Casa de Sarmento.

"Quem há trinta anos se referia ao Toural, referia-se implicitamente ao ponto da cidade onde se reunia o escol da gente da nossa terra, quer nos estabelecimentos que ainda hoje o ladeiam, embora tenham passado a outros possuidores, quer nas ruas e trottoirs que então o atravessavam.

A Casa Havanesa; o estabelecimento do rotundo Campos à esquina da Rua de Santo António, anteriormente de Mata Diabos e hoje de 31 de Janeiro; o do Miranda das lotarias, – e das larachas –, homem inteligente e folgazão, mais tarde comendador e cavaleiro; a Loja do Leque, de Rodrigo de Macedo, actualmente commis-voyageur duma importante fábrica bracarense; a do Domingos de Freitas ou da Custódinha; a do Joaquim Leite, vulgo Prosódia; a do Simões, vidraceiro; a do relojoeiro Jácome; a de João de Castro Sampaio, depois de Domingos Vargas, seu sócio e sucessor; a do sr. Braga que Deus conserve – formando a esquina da rua de Paio Galvão e ainda, um pouco mais adiante, a de outro Jácome; eram outros tantos pontos concorridos e divertidíssimos por onde se disseminava, – como o arroz dum saco que se rompesse, nessa época de paz, de prosperidade, de barateza e de fartura, – e onde se entretinha, onde folgava e ria e… amava, a inteligência bizarra da meia-idade e a tagarelice garota da mocidade vimaranense de há trinta anos!

Trinta anos!... rapidez dum auto que não pode ser acompanhado pela nossa fantasia, mas atrás do qual segue a nossa saudade – aos solavancos!

No terreno neutro e equânime que era, por essa época, o Toural, continuavam as discussões, as pugnas da palavra, os duelos da oratória, iniciados ali ao lado, no Café do Vago Mestre, discussões que só vinham a terminar na Assembleia, entre um aperto de mão e uma gargalhada amiga, uma tacada de bilhar puxada a primor, ou uma xícara de chá de cor duvidosa e incerta, entre o verde-escuro e o preto, mas que nem era bem preto, nem bastantemente verde-escuro, chá preparado pelo correcto e glabro Jerónimo, cuja idade se perdia, não nas trevas dos tempos antediluvianos, ou pré-históricos, mas nos da fundação do próprio grémio de que era zeloso e honestíssimo ecónomo.

O Toural! Se as pedras que ainda hoje o pavimentam; as grades que em tempo o cercaram; as flores que outrora lhe matizaram os delineamentos e lhe deram encanto, perfume e beleza; as árvores que, no passado, lhe prodigalizaram sombra, frescura e refrigério; surgissem ali de novo e falassem, como fala ao nosso espírito cada aurora que se ergue das sombras da noite extinta, – ah! então, quantos desejos, quantas aspirações, quantas ânsias e quantos sonhos de esplendor, a perpetuarem-se nas páginas da História da nossa terra — para o amor, para o reconhecimento e para a gratidão eterna de nós todos, sim, de nós todos, — brancos, amarelos, azuis e brancos, ou verde-rubros?!"

[in Fernando da Costa Freitas, Há trinta anos. O Toural, Revista de Guimarães, n.º 31, 1921, pág. 34-35]

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