Os forais de Guimarães

Um foral é uma carta de lei, através do qual o rei regulava o modo de administração, as modalidades da cobrança de impostos e os privilégios de um concelho. Era um documento muito valorizado pelos habitantes de qualquer povoação, pois simbolizava os seus direitos e as suas liberdades. Guimarães teve dois forais que, no essencial, vigoraram até ao decreto reformador de Mouzinho da Silveira com que, em 1832, se extinguiram os foros, os censos e as outras obrigações impostas pelos forais.

O primeiro foral de Guimarães é anterior à formação do Estado português. Foi concedido pelo Conde D. Henrique e por D. Teresa em data incerta, presumivelmente entre os anos de 1095 e 1096, e beneficiava todos os que viessem “para esta vila habitar para sempre”. Trata-se de um documento muito interessante e singular, nomeadamente por força do pioneirismo das preocupações com o fomento das actividades comerciais que transparecem do seu texto. Dá ênfase especial aos tributos a pagar pela venda de diversos artigos, desde asnos a couro de boi ou de vaca. No que se refere à regulamentação da justiça, indica as penas a aplicar aos agressores: quem batesse em outrem com punho cerrado, pagaria 12 soldos. Se acometesse com a mão aberta, a pena seria menor: cinco soldos. Em caso de haver efusão de sangue, a pena pecuniária seria de sete soldos e meio. Este foral proibia qualquer cavaleiro de ter casa em Guimarães, “a não ser por amor de seu senhor”. Aos infractores dos direitos, obrigações e privilégios que o foral estabelecia, os condes portucalenses lançavam uma maldição: “sejam amaldiçoados por Deus e excomungados e com Judas traidor e com o diabo e seus anjos sejam condenados ao inferno pelos séculos dos séculos”.

Este foral seria confirmado, em 27 de Abril de 1128, por D. Afonso Henriques, que acrescentou privilégios aos burgueses que suportaram com ele “males e penas em Guimarães”. Voltaria a ser confirmado em 1217, por D. Afonso II. Este documento, composto por uma folha de pergaminho, encontra-se depositado em Lisboa, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

A segunda carta de foral vimaranense foi mandada passar por D. Manuel em 1517, no âmbito de uma reforma dos forais que ocorreu no primeiro quartel do século XVI. O foral é um documento composto por vinte folhas de pergaminho, com o frontispício iluminado em policromia e com as armas portuguesas pintadas a ouro entre duas esferas, em cujas faixas se lê: 1508. É um volume encadernado em capas de madeira cobertas de couro, tendo ao centro, em chapas de latão, as mesmas armas e, nos ângulos, as esferas.

O foral novo começa por estabelecer de que modo se devem pagar e arrecadar as rendas e outros direitos reais: o foro das casas, as contribuições referentes à açougagem (venda de carne), ao pescado, à brancagem (direito a pagar pelas padeiras por cada amassadura de pão que coziam) e aos bancos da praça. Fixa em onze o número de tabeliães que deveriam exercer o seu ofício em Guimarães. Quanto à pena de armas (a desembolsar por quem usava armas indevidamente), estabelece que era devida ao alcaide-mor, mas que não seria paga por quem, numa rixa, pegasse em pau ou pedra, desde que não causasse danos com tais “armas”. Também não seria paga por menores de 15 anos, nem por “mulher de qualquer idade que seja”, nem por quaisquer pessoas que “castigando sua mulher e filhos e escravos e criados tirarem sangue”.

O foral regulava as práticas a aplicar em relação ao “gado de vento” (animais tresmalhados), aos montados, aos maninhos, aos reguengos e ao pagamento e isenções de portagens na passagem pela vila de pessoas e de mercadorias.

O foral estabelece como privilegiadas “as pessoas eclesiásticas de todas igrejas e mosteiros assim de homens como de mulheres. E as províncias e mosteiros em que há frades e freiras ermitães que fazem voto de profissão. E os clérigos de ordens sacras. E os beneficiados em ordens menores que posto que não sejam de ordens sacras vivem como clérigos e por tais são havidos todos”. Todos ficavam isentos do pagamento de direitos.

O rei indica quais são as pessoas que são declaradas como vizinhos, para que possam gozar dos privilégios que o foral estabelece: é vizinho de um lugar “o que for dele natural ou nele tiver alguma dignidade ou ofício nosso ou do senhor da terra por que rezoadamente viva e more no tal lugar”.

Para os que não cumpriam o que o documento estabelecia, era fixada a pena do foral, muito distante da maldição do foral dos condes Henrique e Teresa: “qualquer pessoa que for contra este nosso foral levando mais direitos dos aqui nomeados ou levando destes maiores quantias das aqui declaradas o havemos por degredado por um ano fora da vila e termo”.

O foral manuelino de Guimarães é um documento carregado de informação susceptível de aclarar a compreensão do modo de vida dos vimaranenses no início do séc. XVI. Actualmente, faz parte do acervo documental da Sociedade Martins Sarmento.

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