Das ruas e praças de Guimarães

Do nome e número das ruas que tem a Vila de Guimarães.

Para dar princípio às ruas de que é composta esta Vila de Guimarães dentro de seus muros, e ao nome de cada uma delas, farei da Praça Maior um tronco donde todas procedam, dando a cada uma seu nome, e às casas ilustres de seus habitadores.

É a primeira a Rua de Santa Maria que, saindo desta praça para Norte, prende seu curso na rua da Infesta, a qual, tomando-lhe a dianteira, vai parar na Vila Velha Araduca, e liberalmente oferece por ali passagem aos passageiros pela Porta de Santa Bárbara; também desta rua da Infesta sai outra a que chamam do Sabugal, e tem sua serventia pela porta que antigamente chamaram da Freiria, e hoje se chama de Santa Cruz, a qual corresponde ao Nascente.

A Rua dos Açoutados, que tem seu nome de estes por ali passarem, sai da Praça Maior para Norte, e a breve espaço perde o nome, e se chama dos Pasteleiros, de que é habitada. Caminha para Poente, e faz seu descanso na Praça do Peixe, em que está a igreja de S. Tiago. É esta Praça muito habitada de gente, especialmente dos peixeiros, que ali de tempos antigos manejam seu tráfego. É cercada de casas ministeriais de pão e vinho, sendo primeira entre estas lojas a que antigamente foi casa de contos e hoje serve de castigo de malfeitores. Está contígua às casas da Câmara e Audiências, e a comunicação para a Praça Maior.

Desta Praça do Peixe sabem três ruas, a primeira a Rua dos Fornos, porque nela os haviam algum dia públicos, dos quais não só se aproveitavam os padeiros, mas toda a gente da vila. Para a parte de entre Norte a Nascente se encontra esta Rua dos Fornos com a Rua do Gado, e esta com a do Paço e, sendo todas místicas, se vão encontrar com a Rua da Infesta no distrito da Vila Araduca, fazendo saída pela porta da Garrida, hoje de Santo António, por ter sua imagem, e defronte o seu Mosteiro.

A segunda rua que sai da Praça do Peixe é a do Espírito Santo, que antigamente foi da Judiaria, aonde esteve o Gueto, e fazendo sua guarida para Poente, pára no terreiro da Misericórdia.

A terceira rua que sai da Praça do Peixe, é a rua Escura, por ter serventia para o Sul, e ali divide a Rua dos Mercadores da Sapateira.

Para continuar com as mais ruas, devo tornar à Praça Maior de donde sai a Rua dos Mercadores, de quem é habitada, e, caminhando entre Sul e Poente, no fim se encontra com a Rua Escura que a detém, tomando-lhe a dianteira a Sapateira, que sai pela Porta de S. Domingos.

Nesta Rua Sapateira se formou um terreiro chamado da Misericórdia, feito das casas, e quintais que os moradores deram de esmola, e outras que comprou esta irmandade, para que sua Igreja e hospital manifestem melhor sua grandeza. É o terreiro cercado todo de casas, e as que o formam da parte de Nascente lhe chamam Rua do Ferreiro. Da parte do sul é fechada pela igreja da santa irmandade, casa de despacho e hospital e, da parte do Poente é fechado com casas da rua das Flores e pela parte do norte pelas nobres casas que levantou o doutor Gaspar de Carvalho, moço fidalgo e chanceler-mor do Reino, casamenteiro, e testamenteiro de El-Rei D. João III, a quem o dito senhor deu a madeira de ébano com que são forradas.

Neste terreiro da Misericórdia está, para a parte do Norte, a cadeia da correição, e junto dela desemboca a rua do Espírito Santo, e dele sai, entre Norte e Poente, a rua de Val de Donas, que sai pelo lugar de Nossa Senhora da Graça, ou Santa Luzia, e tem para a parte de Nascente um rossio a que chamam do Mestre-Escola, todo povoado de casas, e comunica com a Rua dos Fornos.

A Rua do Postigo tem seu princípio na Praça Maior, pela parte da porta da Senhora da Graça tem a saída pelo Campo da Feira. Desta rua sai para o vendaval a Rua da Murta, e encontrando-se com a rua de Alcobaça fazem ambas saída pela porta da Torre Velha. No meio desta rua, para Norte, corre a Rua das Donas até desembocar na dos Mercadores. Também dá serventia esta rua para um rossio a que chamam do Forno, por nele estar o forno da Vila, ou público, em que são os padeiros obrigados a cozer o pão, e este todo cercado de casas e dá serventia para outro a que chamam da Tulha.

Há de muros adentro desta Vila outro terreiro a que chamam de São Paio, aonde está a Igreja paroquial deste santo, é bem povoado de casas e dele procedem quatro ruas. A primeira é para a parte de Nascente a que chamam a Ferraria, que desemboca no rossio da Tulha, que também é todo cercado de casas, aonde despede também a Rua dos Mercadores, e este rossio serve de passagem de uma para a outra. Na Rua da Ferraria procede outra a que chamam de Alcobaça que, atravessando para Sul, se junta com a Rua Nova do Muro, e saem ambas pela porta da Torre Velha para o vendaval e, na parte onde as ditas ruas se juntam, dá princípio para a parte do vendaval a muralha e, pela parte de dentro desta, vai a Rua do Anjo, que caminha até ao terreiro de São Paio, que a divide da que tem o nome dos Açougues, e tem serventia pela Porta Nova, que também se chama porta de São Paio.

Para entre Norte e Poente sai deste terreiro de São Paio a Rua da Arrochela, que recebeu o nome de Nicolau de Arrochela, francês que nela viveu, e desemboca no terreiro da Misericórdia e rua Sapateira.

No dito terreiro de São Paio, para Norte, corre a Rua Trás São Paio e de Trás Misericórdia, por parar nas suas paredes, as quais lhe dão saída para o seu terreiro por um passadiço debaixo de suas casas, o qual tem portas que se fecham de noite.

São estas as ruas que ficam dentro dos muros da vila, resta agora darmos notícia das de seus arrabaldes.

(in Padre Torcato Peixoto de Azevedo, Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães, manuscrito de 1692, cap. 87.)

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1 Comentários

Acho que seria bom acrescentar,na placa topnómica actual, os nomes referidos neste documento pois, ainda hoje, as pessoas mais idosas,usam alguns destes nomes. Eu sou um deles...