Segundo uma das tradições que contam a vida e da morte de S. Torcato, o santo seria natural da cidade de Citânia, tendo recebido baptismo no famoso templo de Ceres, que terá existido na antiga Praça do Peixe de Guimarães e que depois foi capela dedicada a S. Tiago. Tendo acompanhado o Apóstolo S. Tiago na evangelização do Entre-Douro-e-Minho, seria nomeado bispo em Roma, regressando a Briteiros, onde prosseguiu com a evangelização. Certo dia, indo pregar para as terras de Vieira, os povos se juntem para o matarem. Seguiram-no e, vendo-o a descansar à sombra de uma árvore pegaram dele, e com sogas e tamoeiros com que prendiam os bois, o ataram de pés e mãos e com paus e pedras cruelmente o martirizaram, e ali o deixaram coberto de pedras. Esta é a história de S. Torcato contada por um homónimo, Torcato Peixoto de Azevedo (outra versão diz que terá sido martirizado em Granada, tendo os seus restos mortais sido trasladados para o Noroeste da Península, após a invasão muçulmana).
Com o tempo, o lugar em que ficou o corpo de S. Torcato ficou encoberto. Passados muitos anos, foram avistadas luzentes chamas no meio de entrelaçados matos. No sítio das chamas, apareceu um montão de pedras de que saía admirável cheiro, sob o qual se achou o cadáver com o distintivo episcopal, e tirado o corpo saiu da terra uma caudalosa fonte, cujas águas têm sarado várias enfermidades. O corpo foi levado para o mosteiro de Santa Maria (depois de S. Torcato) e depositado numa tumba de pedra. O corpo de S. Torcato passou a ser objecto de curiosidade e de devoção, mas também de cobiça, por causa das receitas da sua caixa de esmolas. No final de Fevereiro de 1501, D. Manuel I ordenou a trasladação do corpo de S. Torcato para a Colegiada de Guimarães. O povo opôs-se e não houve trasladação. O mesmo voltaria a suceder quando, em 1597, o arcebispo ordenou que fosse levado para Braga. Em Maio de 1538, um pregador espanhol afirmou na igreja da Colegiada que S. Torcato não estava sepultado em Guimarães. Para o desmentir, foi aberto o sepulcro, verificando-se que o corpo estava inteiro, com uma vestimenta branca franzida pelo pescoço como de estamenha, tinha uma mitra na cabeça de tabi branco, um báculo de pau ao pé, e uma cruz de pau sobre o peito.
No dia 14 de Julho de 1637, uma delegação da Colegiada foi à sepultura de S. Torcato; para colocar uma guarnição de pedraria, que de novo se quer plantar sobre ela, para mor segurança das relíquias. Os cónegos resolveram inspeccionar o túmulo, que mandaram abrir, verificando que o corpo estava inteiro, organizado e incorporado em carne e osso, mirrado, o rosto virado para a banda esquerda, com olhos, nariz, boca, barbai orelha, perfeitamente compostos de modo que bem mostrava as feições de homem. No auto que se fez da abertura da sepultura do glorioso S. Torcato ficou o registo detalhado do conteúdo do sepulcro.
Esta visita a S. Torcato iria dar que falar, estando na origem de uma causa envolvendo; alguns cónegos de Guimarães e o vigário de S. Torcato, sobre a qual o Cabido de Braga emitiria uma Provisão, em Outubro de 1641, ordenando que sobre o assunto se fizesse perpétuo silêncio.
O motivo se tal querela foi uma ocorrência bizarra, que teve lugar durante aquela inspecção: o mestre-escola da Colegiada, Dr. Rui Gomes Golias, fundador do morgado das Lamelas, arrancou, com os dentes, o osso de um dos tornozelos de S. Torcato, que levou para a capela da sua casa, na rua do Forno (que hoje acolhe o Arquivo Municipal). Após a morte do mestre-escola, o osso de S. Torcato ficou ao cuidado das suas três sobrinhas, que acabaram por a entregar à Colegiada. Nas vésperas do Natal de 1662, uma procissão solene fez a trasladação da relíquia da capela das Lamelas para a Colegiada, com o acompanhamento do D. Prior, D. Diogo Lobo da Silveira, do Cabido, da Câmara e mais autoridades da Vila, dos frades de S. Domingos e de S. Francisco, da nobreza, que tomou as varas do pálio, da música da Colegiada, de danças e de muita povo. A solenidade terminou com uma missa, no fim da qual a relíquia foi dada a beijar a todos os assistentes.
Os restos mortais de S. Torcato voltariam a ser examinados em meados de Junho de 1805, numa altura em que iam ser colocados em exposição pública. O exame foi feito por Miguel Rebelo, médico de Guimarães, que testemunhou que os ossos que formam a cabeça, todos se acham unidos por meio da sua sutura e músculos; no rosto as maxilas se acham unidas ou articuladas nas suas próprias articulações e os dentes da mesma sorte, à excepção do superior que se não acha no peito; as costelas estão unidas nas suas próprias cavidades; no pescoço se acham destruídas as partes musculosas e desarticuladas as vértebras cervicais, aonde se divisa uma rotura grande que se pode conjecturar, conforme a tradição, que seria a parte aonde sofreu o martírio; no braço direito o osso úmero se acha articulado e destruído de músculos e os dois ossos, cúbito e rádio, e toda a mão se acham articulados e todos os dedos com suas unhas à excepção do pólex que lhe falta; o mais corpo e pernas se acha em parte desorganizado e a perna direita se acha articulada e destituída de músculos; e todo o mais restante do esqueleto se acha sem músculos mas com todos os seus próprios ossos. O relatório não se refere ao osso roubado pelo mestre-escola que, afinal, não será uma canela, mas sim um calcanhar. Para o recolher, D. Diogo Lobo da Silveira tinha mandado fazer um magnífico relicário em prata dourada, que agora pode ser admirado no Museu de Alberto Sampaio.
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