O Românico (I): As Pontes

Da arquitectura medieval, o que melhor conhecemos são as construções de carácter religioso (mosteiros, igrejas, capelas), particularmente notáveis pelas suas técnicas construtivas e pela riqueza da sua gramática decorativa. No que se refere à arquitectura civil e militar medieval, os exemplares mais conhecidos, os castelos, são construções em geral muito pobres, quando comparadas com os edifícios religiosos. O mesmo não se dirá das pontes.

Na Idade Média, a reparação e conservação das calçadas e a construção de pontes encontravam-se entre as obras de piedade, sendo frequentemente objecto de legados nos testamentos de nobres e clérigos. As pontes, que transformavam a paisagem e estimulavam as ligações regionais, aproximando cidades e vilas, são particularmente exigentes no que respeita a processos construtivos. Geralmente mais estreitas do que as romanas, são mais robustas e dotadas de alicerces mais resistentes. Os seus traços mais característicos são os grandes arcos de volta perfeita e os talhamares que favorecem a sua resistência à força das águas e aos detritos arrastados pela corrente em tempos de cheias. Outro elemento distintivo é o perfil em cavalete, com dupla rampa, que está associado aos arcos de grande altura.

Em Guimarães estão inventariadas quatro pontes medievais.

A Ponte de Donim, sobre o Rio Ave, assenta sobre três arcos. O seu tabuleiro é horizontal. O arco central, de grandes dimensões, possui quatro talhamares triangulares a jusante e talhantes quadrangulares a montante. Na margem do lado direito está rasgado um vão em forma de arco, que serve para escoar a água que transborda do leito do rio durante as cheias. As lajes originais do seu pavimento foram substituídas por paralelepípedos de granito.

Ainda sobre o rio Ave, a Ponte de Serves, em Gondar, também de tabuleiro plano, é composta por quatro arcos de volta perfeita de diferentes dimensões. Dois dos seus pilares têm contrafortes e talhamares. Esta ponte foi muito adulterada em reparações recentes, que aplicaram novas aduelas nos arcos, reboco de cimento e guardas de ferro. Pertence à antiga estrada entre Guimarães e Famalicão.

A Ponte de Caneiros, de pequenas dimensões, atravessa o Rio Selho em caminho carreteiro. Com tabuleiro em cavalete, é composta por dois arcos de volta perfeita, de tamanho desigual e aparelho irregular. Não tem talhamares.

A Ponte do Arco, com um magnífico enquadramento na paisagem envolvente, liga Serzedo a Vila Fria, no concelho de Felgueiras, fazendo a travessia do Rio Vizela. O seu tabuleiro, em cavalete, assenta sobre dois arcos de volta perfeita com um talhamar no pilar de ligação. O pavimento, irregular, conserva a calçada original. Ao centro do muro de guarda voltado para nascente, está cravado um marco, datado de 1724, com a inscrição “Couto do Real Mosteiro de Pombeiro”.

Estas pontes, que muitas vezes têm sido confundidas com as dos romanos, deram um importante contributo para a circulação das gentes e para a animação do comércio na Idade Média. Muitas delas têm, segundo a tradição popular, uma origem misteriosa, sendo frequentemente associadas a obras do Diabo, o que explica que sejam escolhidas para a celebração de rituais propiciatórios aplicados a mulheres que têm dificuldade em levar uma gravidez a termo.

Por estas terras, fala-se nas orações pronunciadas à meia-noite, sob os arcos de uma ponte, através das quais algumas mulheres obteriam a satisfação do seu desejo de engravidar. Da mesma forma se diz que uma mulher que, andando grávida, se revelasse incapaz de levar a gravidez a termo ou lhe costumassem morrer os filhos logo após o nascimento, alcançaria bons resultados caso se dirigisse à noite a determinada ponte, onde teria lugar um estranho cerimonial de baptismo in ventre.

Francisco Martins Sarmento recolheu esta tradição que, segundo os seus informadores, tinha lugar na Ponte de Domingos Terne, na Póvoa de Lanhoso, e na de Donim. Contou-a assim:

Quando uma mulher grávida supõe estar no fim e quer fazer escapar a criança que traz no ventre vai «à meia-noite» à ponte de Domingos Terne, ou antes espera lá pela meia-noite. A primeira pessoa que passar, será o padrinho do futuro filho, e baptiza-o com água do rio, que se tira do alto da ponte num copo, atado a um cordel, dizendo:

«Eu te baptizo, criatura de Deus, em nome do Padre, do Filho e do espírito Santo.»

É preciso não deixar passar a ponte algum animal, ou ser vivente, que tolherá o efeito da coisa; estes animais são coisa má disfarçada, que pretendem contrariar a influência da operação, e que nessa ocasião aparecem em grande quantidade.


Quando nascesse, a criança assim baptizada seria chamada de Senhorinha, se fosse menina, ou Gervásio, se fosse menino. E o certo é que, nas imediações destas pontes, aqueles nomes costumavam ser bastante comuns.

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