Vila Flor: a sala de visitas de Guimarães

Tadeu Luís António Lopes de Carvalho Fonseca e Camões, nascido em Guimarães em 1692, era filho do fidalgo genealogista Gonçalo Lopes de Carvalho e de D. Guiomar Bernarda da Silva. Abundante de bens e de cultura, fidalgo da Casa Real, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofício, senhor dos coutos de Abadim e Negrelos, foi membro da Academia Real de História Portuguesa, da Academia dos Infecundos e da Arcádia de Roma. Foi fundador e patrono da antiga Academia Problemática de Guimarães (a celebrada Academia Vimaranense, que se dedicava às coisas da literatura sob influência da estética barroca então vigente), sobre a qual publicou os dois volumes da obra Guimaraens Agradecido (1749). A casa fidalga que se ergue no Cavalinho, em Guimarães, conhecida como Palácio de Vila Flor, também é obra sua. A Casa do Cavalinho ostenta uma traça arquitectónica que concilia simplicidade com imponência. A sua fachada mais nobre, voltada a Norte, está implantada sobre jardins desenhados em patamares rasgados por escadarias, com balaustradas, fontes e um magnífico chafariz em pedra, onde, desde sempre, sobressaíram as composições de buxo anão. Na parede voltada para Nascente, foram incrustadas peanhas que suportam umas esculturas de talhe grosseiro, que pretendem representar os primeiros reis portugueses. Este conjunto de moradia apalaçada com jardins, de onde se desfruta de uma vista ímpar de Guimarães, é uma obra "admirável em sua arquitectura e na grandeza e fábrica do jardim", como já a descreviam as Memórias Paroquiais setecentistas. Pertenceu aos descendentes de Tadeu Camões até ao ano de 1812, quando os então proprietários, João José de Almeida Melo Velho e Lencastre, Visconde de Vila Nova de Souto de El-rei e a viscondessa D. Maria Joana do Monte Forjaz da Câmara e Meneses, a venderam, com outras propriedades, a sua prima D. Maria Leonor de Sousa Peixoto de Carvalho, do terreiro de Santa Clara.


Reconhecido pela sua relevância arquitectónica e patrimonial, o palacete de Vila Flor também se destaca pela sua ligação à História de Guimarães.


No início, de Julho de 1836, chegaram até aqui os ecos das salvas de artilharia que saudavam a entrada na cidade do Porto do príncipe D. Fernando, consorte de D. Maria II, que, chegando de Lisboa num barco a vapor, vinha visitar diversas cidades do Norte, entre as quais Guimarães. Por essa ocasião, a Câmara de Guimarães, enquanto mandava iluminar a vila e engalaná-la com arcos festivos, pediu a Nicolau de Arrochela a Casa do Cavalinho, de que então proprietário, para servir de aposento do Príncipe. Era a estreia de Vila Flor no acolhimento de grandes acontecimentos.


Um dos momentos mais marcantes da história deste edifício remete-nos para meados de Maio de 1852, quando alojou D. Maria II e a Casa Real portuguesa, durante a celebrada visita que realizou a Guimarães. A estadia da comitiva régia teria efeitos importantes para Guimarães, que não tardou em ser elevada a cidade, e para o senhor de Vila Flor, que foi feito Conde de Arrochela pela rainha, querendo perpetuar a memória da honra que lhe fez de a hospedar em sua casa (de Guimarães) por ocasião da sua visita às províncias do Norte. Em meados de 1884, o palacete de Vila Flor foi palco de uma iniciativa da Sociedade Martins Sarmento, dinamizada por Alberto Sampaio, que deixou marcas profundas na Guimarães do último quartel de oitocentos, contribuindo para a renovação económica e cultural de Guimarães: a Exposição Industrial de Guimarães, a primeira do género organizada em Portugal a nível concelhio.


No início do século XX, o palácio e os jardins de Vila Flor foram adquiridos por Bernardino Jordão, cujo nome está ligado à introdução da electricidade no Concelho de Guimarães. O edifício iniciado por Tadeu Camões foi então concluído, com a construção da parte voltada a poente do seu piso superior. Foi ali, em frente ao portal do jardim, que, no último dia de Outubro de 1909, se inaugurou a iluminação eléctrica de Guimarães. Em 1976, Palácio de Vila Flor passaria, por compra, para a posse do Município. Estava-lhe destinada a missão, que cumpriu, de acolher o Pólo de Guimarães da Universidade do Minho. Espaço nobre de Guimarães, onde se receberam reis, príncipes e ministros, e por onde, no passado, se cruzaram os caminhos de Guimarães para a modernidade, a Casa do Cavalinho acolhe agora o Centro Cultural de Vila Flor, um notável espaço contemporâneo de fruição pública, readquirindo uma missão que bem conhece, a de sala de visitas de Guimarães.

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