“Pelo Foot-ball Braguês”, um livro de João Lopes

 


Há mais de quatro décadas que escrevo e publico textos sobre história, grande parte deles sobre história de Guimarães. Verifico que esta é 2144.ª publicação deste blogue, Memórias de Araduca, que completou quinze anos no primeiro dia deste mês de Outubro. Quando surgiu, tinha a ambição de ser um “espaço de opinião e divulgação dedicado à história, à cultura, ao modo de ser e às tradições de Guimarães e dos vimaranenses” e, “de vez em quando, um lugar de causas”. Não serei o melhor juiz para avaliar se se tem cumprido essa intenção, mas posso garantir que o propósito inicial se mantém e que o contador de leituras me diz que esta partilha tem tido alguma utilidade. Ao longo do tempo, fui-me habituando a discussões relacionadas com o que ia publicando, algumas delas particularmente vivas, mas sempre num registo respeitoso e civilizado. A excepção tem acontecido sempre que tenho o atrevimento de tratar de assuntos relacionados com o futebol e, em particular, com a história do Vitória Sport Clube, de Guimarães. Aí, cai o Carmo e a Trindade…

Tentar fazer a história do futebol e dos clubes que o praticam é pisar campo minado. Na sociedade contemporânea, o futebol já não é um simples jogo, jogado entre duas equipas de onze jogadores que se associam com o objectivo de introduzirem, aos pontapés ou à cabeçada, uma bola na baliza da equipa que joga do outro lado do campo. O futebol é cada vez menos um jogo de bola, tendo evoluído mais para o campo da disputa verbal, parecendo ter adquirido uma certa sacralidade, mais própria das religiões da palavra, a que só falta O Livro. Quem olhasse de fora e percebesse o fervor das discussões à volta do futebol, diria que é quase uma religião alimentada pela fé dos seus seguidores, onde não faltam os fanáticos, nem pessoas muito respeitáveis que se transfiguram, assumindo gestos e proferindo palavras de que, em qualquer outro contexto, ninguém os suporia capazes.

Estudar a história do futebol e dos seus clubes não é tarefa fácil. Convirá notar, em primeiro lugar, que, nas décadas iniciais do século XX, o futebol estava longe de ter a relevância que, com o curso do tempo, veio a adquirir. Não tinha muitos seguidores e os seus praticantes eram, por regra, olhados como rapazolas ociosos que melhor fariam se dedicassem a actividades mais úteis e mais benéficas para a sua saúde e para o sossego público. A verdade é que os que formavam equipas que depois evoluíam para clubes de futebol nunca deram grande importância ao que faziam, porque o futebol não era importante e, à época, ninguém era capaz de antecipar a dimensão social, cultural, económica e desportiva que viria a ter. Os jornais, que então eram muitos, davam escassíssimo espaço a este desporto. Por outro lado, os próprios criadores dos clubes não acharam que fosse necessário documentar os dias iniciais das suas criações. Vai daí, fazer a história dos tempos de fundação de clubes de futebol é, em muitos casos, quase tão difícil como reconstituir as eras mais sombrias da Idade Média. Em ambos os casos, escasseiam os documentos coevos e sobram as efabulações.

Hoje vai ser apresentado na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, o livro “Pelo Foot-ball Braguês”, que reconstitui a história do futebol em Braga até aos primeiros anos da década de 1930. Como se percebe pelo subtítulo, “A história escondida do SC Braga”, o autor, João Lopes, vai além da narrativa da “história oficial” do Sporting de Braga, trazendo à luz do dia factos que até aqui eram desconhecidos ou que, por alguma razão, se ocultavam.

Produto de uma investigação sistemática com base, essencialmente, na imprensa da época, esta obra é muito detalhada e bem fundamentada na descrição dos anos iniciais do que é hoje o principal clube bracarense , aportando novos elementos para o esclarecimento da sua fundação, nomeadamente quanto à data da fundação ou à lista dos seus primeiros sócios honorários. Pelo que facilmente se percebe, até aqui a história do Sporting Clube de Braga tem sido narrada de outiva, de ouvir dizer, que, vai-se a ver, raras vezes coincide com o que efectivamente aconteceu. Em Braga, como em Guimarães 

Tive o privilégio de ler a obra de João Lopes antes de entrar no prelo. Relembro aqui o que escrevi, quando partilhei com autor as impressões da minha leitura do seu trabalho.

Aí como aqui, quando se fala de futebol, vai muitas vezes uma grande distância entre o que "sempre se disse" que aconteceu e o que verdadeiramente aconteceu. Já não havendo quem tenha memória que chegue até lá (e, mesmo essa não pode ser aceite sem validação por outras fontes), o exercício de reconstituir o passado exige tempo, paciência e trabalho. Muito trabalho, que é o que tem na sua obra. […]

Ao que vejo, traz elementos importantes para o aclaramento da questão da data da fundação do SCB, que dificilmente será resolvida de modo “pacífico”. Vai dar uma discussão interessante, acredito. Assim como a da lista dos sócios honorários. Mesmo perante o que demonstra de modo incontestável, haverá quem conteste e lhe pergunte como é que se atreve em pôr em causa aquilo que todos sempre souberam […].

O autor, que é um assumido adepto do clube bracarense, tem o meu aplauso, pela constância, pela frontalidade e pelo rigor do trabalho que agora apresenta. Mas imagino que, dos donos da bola lá da terra, não receberá apenas aplausos...

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