O Vitória à Boavista? Credo!...

 

O meu amigo Nuno Saavedra, sempre atento, perguntou-me se eu tinha conhecimento de o Vitória se ter estreado na I Divisão com equipamento xadrez, tal como tinha sido afirmado num programa da Sport TV, transmitido imediatamente antes do jogo deste fim-de-semana. Como era a primeira vez que ouvia falar em tal, não conseguia imaginar a razão que levaria o Vitória a vestir-se à Boavista, clube com o qual já tinha um histórico de rivalidade, nem sempre pacífica. Na memória ainda estaria o título do Notícias de Guimarães referente a um jogo na Vila das Aves, realizado no dia 29 de Outubro de 1933:

O “Vitória”, num jogo em que sofreu as maiores violências, perdeu com o “Boavista” por 8-2.

Como não tinha visto o tal programa, fiz a box andar para trás, até o encontrar. Lá estava. Intitula-se “A primeira vitória do Vitória” e é apresentado por Francisco Pinheiro, historiador do CEIS20 (Centro de Estudos Interdisciplinares), da Universidade de Coimbra. Tinha como pano de fundo um lugar onde passei muitas horas, enquanto estudante da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a hemeroteca da Biblioteca Municipal do Porto. O programa é um breve apontamento, o texto é curto e eficaz para comunicar em televisão:

Não podia ter corrido melhor a estreia do Vitória Sport Clube na primeira divisão. Os vitorianos, então conhecidos como o grupo alvinegro e a equiparem de camisola ao xadrez, venceram o Olhanense por 4 a 0, no mítico campo de Benlhevai, em Guimarães, sob arbitragem de Amável de Carvalho.

Foi um jogo de domínio vitoriano, que ao intervalo já ganhava por 2 a 0. Os jornais, na época, falaram de um triunfo merecido, com uma boa exibição. O Vitória Sport Clube, por esta altura, envergava as faixas de Campeão do Minho, estreando-se assim da melhor maneira entre os grandes.

A documentar a apresentação, apareciam, em pano de fundo, três imagens de páginas de publicações da época, que não são identificadas. Na primeira, apareciam duas páginas de uma revista, provavelmente a Stadium, com um anúncio de gabardinas, sobretudos e casacos de couro e um jogador com camisola axadrezada e calção branco.

Na segunda, lia-se um breve relato do jogo:


VITÓRIA-OLHANENSE

Amável de Carvalho dirige o encontro, que se disputa no campo de Benlhevai.

O jogo principia às 15 e 2 m. O Victoria instala-se no campo dos visitantes e após várias sortidas Miguel aos 10 minutos faz o 1.º goal.

Após um contra ataque dos visitantes o guarda-redes do Victoria vê-se em apuros para defender as suas redes, mas é ainda Ferraz que aos 43 faz o 2.º goal para o seu club.

A 1.ª parte termina com o Victoria a ganhar por 2-0.

2.ª PARTE — Aos 25 m. da 2.0 parte Zeferim [sic] transforma um penalty no 3.º goal do Victoria. Aos 30 minutos Ferraz marca o 4.º goal do Victoria. O jogo termina com 4 0 a favor do grupo de Guimarães.

Resulta merecida visto que o Victoria fez um (sic) boa exibição.

 Na terceira, mostrava-se parte de uma peça sobre o jogador vitoriano Ferraz, com o título:

Depois do triunfo — Cinco minutos com Ferraz, valioso elemento do Vitória de Guimarães.

O pretexto desta peça jornalística não é o jogo com o Olhanense, mas a partida em que o Vitória disputou com a União de Lamas o acesso à primeira divisão, no dia 11 de Janeiro daquele mesmo ano, com vitória dos vimaranenses por 6 a 2. A ilustrar a primeira página da entrevista, vemos uma fotografia do entrevistado, envergando equipamento axadrezado. Manifestamente, aquele não era o equipamento do Vitória Sport Clube, embora o jogador retratado seja mesmo João Ferraz, que ingressou no Vitória na época em que o clube obteve o direito a jogar na primeira divisão, depois de ter jogado oito temporadas no… Boavista. A fotografia é, manifestamente, dos seus dias de jogador do clube axadrezado. De onde se conclui que, já naquele tempo, a imprensa recorria a fotos de arquivo...

Não, o Vitória nunca jogou com equipamento aos quadradinhos. Nos textos dos recortes que são mostrados, não há qualquer referência ao equipamento dos jogadores vitorianos, para além da expressão "grupo alvinegro", que remete para os calções pretos e as camisolas brancas, ou seja, para o equipamento tradicional do Vitória. Trata-se de um erro, manifestamente involuntário (não é caso para crucificar quem nele caiu), induzido por uma fotografia de um tempo que já não era aquele em que o Vitória se estreava, em grande, na maior competição nacional.

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