O relógio camarário (6)

Mecanismo do relógio-carrilhão instalado pela Câmara Municipal de Guimarães na torre da Basílica de S. Pedro, em 1938. Detalhe de fotografia de Armindo Cachada.

As iniciativas de particulares para dotar a torre da basílica de S. Pedro do relógio com quatro grandes mostradores que estava previsto no seu desenho não tiveram sucesso. Foi necessário chegar a 1938 para que a Câmara Municipal de Guimarães tomasse em mãos a determinação de concretizar esse antigo anseio dos vimaranenses. Na sua reunião de 11 de Junho daquele ano, de que era presidente o Dr. José Correia de Oliveira Mendes, que ainda não tinha completado dois meses no exercício daquelas funções, decidiu, conforme consta da acta da reunião,
Comunicar à Irmandade de São Pedro desta cidade ter a Câmara deliberado instalar um relógio oficial na Torre da igreja de São Pedro, solicitando-lhe autorização perpétua para mandar proceder à respectiva montagem e ao funcionamento, conservação e reparação do mesmo.
Na sequência desta deliberação, foi aberto concurso para o fornecimento e instalação de um relógio-carrilhão para instalar na torre do Toural. A adjudicação teria lugar no dia 8 de Julho, em nova sessão da Câmara. Segundo lemos na acta desta reunião, a obra foi entregue a Manuel Francisco Cousinhas, relojoeiro-construtor, morador na rua Capitão Leitão em Almada, pela quantia de cinquenta e sete mil cento e cinquenta escudos, como tudo melhor consta dos respectivos autos e processo de arrematação. O relógio-carrilhão adquirido pela Câmara Municipal de Guimarães tem um valor patrimonial singular, por ser um maquinismo pioneiro na relojoaria mecânica de torre portuguesa da época moderna. Seria equipado com quatro mostradores de metro e meio de diâmetro e um teclado para tocar quinze sinos.
Apesar de habituados à velocidade trepidante dos dias que correm, não podemos deixar de ficar impressionados perante o tempo que então transcorreu entre a tomada de decisão desta natureza e o momento da sua execução. O objectivo era ter o relógio-carrilhão a estrear-se na abertura das festas Gualterianas daquele ano, que estava programada para o dia 6 de Agosto.
Escassos dias após a adjudicação da empreitada, já os vimaranenses podiam admirar no Toural a complicada engrenagem que iria pôr a funcionar o relógio-carrilhão da Torre de S. Pedro, exposta no estabelecimento da firma Jordão & Filhos.
No dia 15 de Junho, a obra já tinha começado, como nos conta o jornal O Comércio de Guimarães, numa reportagem sobre os trabalhos da colocação do maquinismo do relógio, que incluía uma espécie de entrevista ao relojoeiro que a fabricara, Manuel Francisco Cousinha, inventor e construtor de relógios-carrilhões, fundador da firma “A Boa Construtora – Fábrica Nacional de Relógios Monumentais”, que a seguir se reproduz.

O carrilhão da Torre de S. Pedro
Já se iniciaram as obras para a colocação do relógio-carrilhão que vai ser colocado na torre da Igreja de S. Pedro, assunto a que o “Comércio de Guimarães” já pormenorizadamente se referiu.
E assim, mercê da boa vontade e iniciativa da Câmara Municipal de Guimarães, sem ruído, sem foguetes nem música, vai a nossa Terra possuir o único relógio-carrilhão que, no género, existe no País. É um melhoramento progressivo que muito vai contribuir para o embelezamento citadino
O acaso, o grande amigo dos jornalistas, colocou-nos na 3.ª feira passada em frente do seu hábil construtor.
O snr. Manuel Francisco Cousinha é um cavalheiro de aparência modesta, e fala-nos da sua obra com confiança e consciência.
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“Sim, o meu desejo é que o Relógio-carrilhão, no dia 6 do próximo mês, tocando o Hino da Cidade, dê inicio às Festas Gualterianas, que serão então anunciadas pelo estampido de 21 morteiros.
Para isso vou pedir horas de trabalho suplementar, e tenho a certeza que, com o esforço e boa vontade dos artistas, conseguirei o meu desejo e o da cidade.
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O relógio tocará nos quartos de hora alguns compassos do Hino da Cidade, e ao alvorecer, ao meio dia e anoitecer, tocará o Avé, quotidianamente e sem auxílio alheio.
Independentemente disto tocará o que se quiser. Se um dia os vimaranenses quiserem que o seu sino-carrilhão toque o Avé de Lourdes, bastará adaptar-lhe mais dois sinos, de determinada consistência.
Também, quando quiserem que ele os mimoseie com novos hinos ou músicas, mandam-nas vir e adaptam-lhas. É o suficiente.”
Um amigo, do lado, diz-nos : —O rev. Borda foi um poderoso auxiliar, conseguindo-nos a música adequada. Trabalhou sem descanso. Não fosse ele, e não poderíamos, em tão pouco tempo, concluir a nossa obra.
Aqui fica, portanto, em nome dos vimaranenses ciosos do bom nome da sua Terra,o nosso agradecimento.
O snr. Manuel Francisco Cousinha, que, como todos os artistas, se concentra na essência da sua própria Arte, continua :
“Eu desejo que a Exma. Câmara e a Cidade fiquem satisfeitos com o meu trabalho, e, nesse sentido, desejaria ultrapassar as condições exaradas no livro de encargos, se puder, embora tenha de trabalhar ainda além do dia da inauguração.
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O notável Artista retirou-se e aos nossos ouvidos soava ainda aquela frase, que é, ao mesmo tempo, orgulho e glória....
“... Guimarães vai possuir um relógio-carrilhão, que é o primeiro e o único, no género, que existe actualmente no país!
O Comércio de Guimarães, 15 de Julho de 1938





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