Já nem Santa Marinha nos vale (segunda parte)



A polémica estalou no dia 18 de Junho, com uma publicação de Samuel Silva no Facebook. Estava a ser construído na Costa um edifício que encobria o velho mosteiro de Santa Marinha, interpondo-se numa das vistas mais icónicas da cidade de Guimarães: a paisagem para onde aponta a rua Dr. José Sampaio, vista do lado da Senhora da Guia. Três dias depois, o autor da denúncia, usando de um direito que a lei lhe confere, formalizou um pedido para consultar o processo de licenciamento daquela obra. Depois de uma primeira recusa (manifestamente ilegal) e de uma espera de quase 50 dias, foi-lhe dado acesso às peças do processo. Do que encontrou, deu-nos conta na última edição do jornal Reflexo. E conta uma história, no mínimo, muito estranha, que ainda estou a tentar perceber.
Como auxiliar de análise, sistematizei as informações que Samuel Silva nos dá, juntando-lhes outras que são do domínio público e fiz uma cronologia com a sequências dos factos e actos conhecidos. O resultado está carregado de anacronismos que escapam ao entendimento do comum dos mortais: em alguns casos, o que teria que acontecer antes, acontece depois; noutros, o que teria que acontecer depois, acontece antes. Primeiro faz-se e a licença para fazer pede-se depois. As licenças são minudências...

Cronologia
2004 – Emissão do alvará de loteamento do terreno em que o prédio está a ser construído.
10 de Julho de 2017 – Data de entrada nos serviços da Câmara do pedido de autorização da construção.
27 de Julho de 2017 – Comunicação da pela Câmara ao construtor, informando-o que o processo que submetera estava incompleto e convidando-o a providenciar o seu aperfeiçoamento, juntando-lhe as peças em falta.
29 de Agosto de 2017 – Despacho de “rejeição liminar” do projecto, emanado pelo presidente da Câmara.
19 de Setembro 2017 – Parecer positivo do director do Departamento de Urbanismo ao projecto de construção.
28 de Setembro de 2017Emissão de licença para movimentações de terras.
29 de Dezembro 2017 Emissão da licença de estruturas.
12 de Fevereiro de 2018 – Dá entrada nos serviços camarários uma queixa de empresa proprietária de dois lotes de terreno contíguos ao edifício em construção, por incumprimento do plano de loteamento. Não há (ainda) informação sobre o andamento desta queixa.
22 de Março de 2018 – Embargo da obra, por decisão do vereador com o pelouro da Fiscalização, por se ter verificado que o construtor apenas dispunha de licença de estruturas.
18 de Junho de 2018 – Publicação no Facebook de denúncia pública de Samuel Silva.
21 de Junho de 2018 – Requerimento do cidadão Samuel Silva para consulta do processo de licenciamento do prédio em construção.

28 de Junho de 2018 – Na sequência de carta que lhe foi dirigida pela Associação Muralha, o Presidente da Câmara reúne com dirigentes daquela instituição, a quem terão sido prestados esclarecimentos acerca do processo de licenciamento do edifício em construção. No final, segundo relato divulgado no Guimarães Digital, “o Presidente da instituição, Rui Vítor Costa, falou de um processo de construção irreversível, com título de alvará de 2004 que fixa direitos de construção vinculativos e que prevê a construção de um segundo prédio idêntico”.
7 de Julho de 2018 – Indeferimento do pedido de consulta, com a justificação de que o processo se encontrava“em fase de decisão”, informando o cidadão requerente que deveria “comprovar legitimidade para proceder à consulta do mesmo”.
23 de Julho de 2018 – O mesmo cidadão recorre do indeferimento, remetendo para a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 26/2016) e sublinhando que “a regra na lei é a do direito de acesso aos documentos administrativos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse no processo”.
26 de Julho de 2018 – Entrada na Câmara de um pedido de revisão do projecto, com o aditamento ao processo de novas peças (incluindo, nomeadamente, termo de responsabilidade, memória descritiva, projecto de infra-estruturas).
7 de Agosto de 2018 – O cidadão Samuel Silva recebe, finalmente, autorização para consultar o processo referente ao licenciamento do prédio em construção na Costa, nas imediações do convento de Santa Marinha da Costa.
17 de Setembro de 2018 – Publicação de Samuel Silva publica, no jornal Reflexo, um texto com o título O que eu aprendi ao ler o processo do "monstro" da Costa.

Eu não sei onde isto vai acabar. Mas sei por onde deveria começar: por um esclarecimento imediato, claro e transparente por parte da Câmara Municipal de Guimarães.

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