Barricada com Emídio Guerreiro de capote e espada, em primeiro plano. [Fotografia e legenda colhidas em Braga - Grito da Liberdade, de J. Santos Simões.] |
Quando
passa mais um aniversário da 25 de Abril, é tempo de recordar os insubmissos, aqueles
que se sacrificaram a resistir à Ditadura, desde os seus primeiros dias. No dia
3 de Fevereiro de 1927, pôs-se em marcha um levantamento militar contra a
Ditadura, onde Guimarães teve uma participação activa (informa O Comércio de Guimarães do dia 4 de
Fevereiro que “o regimento de Guimarães aderiu na sua quase totalidade ao movimento,
partindo daqui a juntar-se às forças revoltosas” e que, de Braga, “forças do 8,
fiéis ao governo, vieram tomar conta do correio e do quartel”. Entre os
militares vimaranenses que participaram na primeira tentativa para derrubar o
regime que estaria na origem do auto-proclamado Estado Novo estava um jovem
militar chamado Emídio Guerreiro, mas eu não o sabia quando escrevi o texto que
aqui relembro, um dos primeiros trabalhos sobre assuntos da nossa história local
que dei ao prelo, na edição de 7 de Fevereiro de 1980 de O Povo de Guimarães.
Guimarães
esteve na primeira tentativa do 25 de Abril
FEVEREIRO
DE 1927. De Norte a Sul. Portugal e abafado por uma onda de confrontações
violentas provocadas por levantamentos que exigiam o restabelecimento da
Constituição e da legalidade. Nestes acontecimentos, Guimarães irá ter uma participação
activa.
A
braços com uma gravíssima situação financeira, o regime saído do 28 de Maio
havia lançado uma intensa campanha a favor do empréstimo externo com grandes
cabeçalhos na imprensa, e o envio de embaixadas ao estrangeiro com a missão de
negociarem com a Sociedade das Nações e a forte casa bancária Boring Brothers.
A oposição agitava-se, lançando a opinião pública contra o empréstimo, com o
argumento que ele levaria Portugal às mãos estrangeiras e exigindo o
cumprimento da Constituição, que obrigava à autorização por parte do Congresso
da República.
Nesse
sentido, vários membros destacados da oposição irão empreender acções no
sentido de alertar a opinião pública nacional e internacional. Em
contrapartida, o governo inicia medidas imediatas para a repressão.
Assim,
na edição de 22 de Janeiro de 1927 do jornal “A Velha Guarda”, órgão de
Guimarães do Partido Republicano Português, pode ler-se que “o governo prendeu
e degredou para Cabo Verde, tendo já embarcado no “Niassa”, os seguintes
cidadãos: General Sã Cardoso, Tenente-Coronel Cortei dos Santos, Major Vitorino
Guimarães e Dr. Lopes de Oliveira”. O ex-primeiro Ministro, Prof. António Maria
da Silva, ter-se-ia evadido no momento do embarque. Estes homens eram acusados
de “terem distribuído aos representantes da Inglaterra, França e Estados Unidos
da América do Norte um texto sobre a atitude dos Partidos da República acerca
do projectado empréstimo externo”. Apesar da repressão, a atitude dos partidos
surtiu os efeitos desejados e o empréstimo não se concretizou.
Guimarães e a questão do “20”
Em
Guimarães, um elemento local contribuiu decisivamente para colocar a população
ao lado dos republicanos: a retirada do Regimento de Infantaria n.° 20, como
consequência de, em 28 de Maio, não ter apoiado aqueles que seriam os
vencedores. Esta retirada causou grande indignação entre os vimaranenses, que
cedo demonstraram as suas intenções de reagirem a tal medida. O PRP local soube
explorar de uma forma inteligente a repulsa popular através da sua imprensa,
prometendo o regresso do “20”, se os republicanos saíssem vitoriosos das lutas
que se avizinhavam.
Já
na edição de 15 de Janeiro, “A Velha Guarda*” publicara um artigo intitulado “Números”,
em que directamente se dirigia aos militares e onde, após descrever a situação
financeira do país, ilustrada por alguns exemplos escandalosos, os incitava
directamente à rebelião:
“O
país está atento. Confia na honra e bom senso do seu exército. Espera dele o
nobre reconhecimento de um erro (o 28 de Maio) e uma inteligente e imediata
reparação.”
Os levantamentos
Preparadas
por uma campanha de motivação psicológica para o golpe, as comemorações do 31
de Janeiro seriam a pedra de toque para acções contra o regime.
“Reconhecemos
até a necessidade de ir para a luta e, por isso, forçados a desprezar
convenções e amizades, a lançar para detrás das costas a pré-ocupação que nos
intimide e a recorrer à violência, se tanto for preciso, fazendo-o, teremos
honrado a memória de 1891.” (do jornal A
Razão, Guimarães, 31 de Janeiro de 1927),
No
dia 3 de Fevereiro, o órgão central do PRP, “O Rebate”, apela claramente à
sedição. Na madrugada desse dia, o Batalhão de Caçadores n.° 9 entra em acção,
ocupando pontos estratégicos do Porto: O Quartel General da RMN, o Governo
Civil, os correios, as ruas centrais. Jaime Cortesão assume o posto de
Governador Civil enquanto que o General Sousa Dias toma em mãos o comando
militar do levantamento. À Praça da Batalha vão confluindo forças militares
vindas da Póvoa de Varzim e de Penafiel. Aí se juntam também grupos de civis,
dirigidos por José Domingos dos Santos, chefe da Esquerda Democrática.
Na
manhã do mesmo dia é divulgada a proclamação do Comité Revolucionário, composto
por Sousa Dias. Jaime Cortesão. Sarmento Pimentel. Jaime de Morais e Pereira de
Carvalho, onde se reclama o respeito pela Constituição e pela República, ambas
calcadas pela Ditadura Militar. E enviado um ultimato a Carmona, onde se
reclama a demissão do governo que “abusivamente diz governar em nome do
Exército.”
Entretanto,
o governo envia para o Porto o Ministro da Guerra, Passos e Sousa acompanhado
por tropas de reforço, para dirigir a resposta situacionista. Entretanto os
regimentos de Infantaria n.° 18. Artilharia 5 e Cavalaria 9. bem assim como a
Guarda Republicana, fiéis ao regime, haviam passado a ser comandados pelo
Coronel Andrade Peres. O RI n.° 8, de Braga, à altura dirigido pelo Coronel
Amaral coloca-se sob o seu comando. Estavam preparadas as condições para a
resposta das forças fiéis ao regime.
As
forças militares aquarteladas em Valença, Vila Real e Guimarães (O Batalhão de
Metralhadoras Pesadas n.° 2), alinham desde a primeira hora ao lado do General
Sousa Dias, marchando para o Porto. Em apoio às forças do governo.
encaminham-se para ali trapas de Aveiro, Coimbra e Entroncamento. Craveiro
Lopes, futuro Presidente da República do Estado Fascista, assume o comando das
operações das forças fiéis ao regime.
Durante
vários dias desenrolam-se intensos combates de rua, de que resultará grande
número de mortos e feridos.
Entretanto,
dão-se levantamentos militares e civis em quase todo o território. Em Faro. os
marinheiros da canhoneira “Bengo” revoltam-se, sendo acompanhados pelo RI n.° 1
e pela Guarda Republicana. O tráfego da margem sul do Tejo é paralisado devido à
greve dos ferroviários decretada no Barreiro.
Em
Lisboa, as primeiras forças a saírem à rua são as tropas do governo.
Simultaneamente, são encerrados os jornais republicanos “O Rebate”, “0 Mundo” e
“A Informação”.
No
Porto, entre os revoltosos, a tome, o cansaço e a desconexão aas acção de civis
e militares começam 3 ser por demais evidentes. A chegada do “Infante de Sagres”
à Foz do Douro, enviado pelo governo, apressará a derrota inevitável. A 6 de
Fevereiro. Jaime de Morais negoceia com Passas e Sousa a rendição.
Entretanto,
nesse mesmo dia, em Lisboa a luta atingia o seu auge, com marinheiros e civis
armados a empreenderem diversas acções. A Brigada do Alfeite é assaltada. O
famoso Café A Brasileira do Chiado, palco de comícios republicanos. é
encerrado. São presos membros do governo e ocupados edifícios públicos. Filipe
Mendes, ex-Governador Civil de Lisboa, instala-se no Ministério da Marinha. São
assaltados os jornais “Correio da Manhã”, “Correio da Noite” e “Portugal”. A
luta continuará pelos dias seguintes, com intensidade crescente.
A
10 de Fevereiro, os revoltosos rendem-se. por falta de munições.
Numa
entrevista concedida ao “Jornal de Notícias”, o Coronel Amaral, do RI n.° 8,
afirmou que “Guimarães era um perigoso baluarte Revolucionário” (...) “O senhor
Capitão Torres da Infantaria 8, auxiliado apenas por 24 praças — quase tudo
sargentos! — conseguiu, num “raide” audacioso, recuperar Guimarães.”
Estas
declarações são contestadas na edição de 1 de Março de 1927 do jornal “Pro-Vimarane”.
num artigo onde se diz:
“A
pequena força do 8 não fez, nem tinha que fazer qualquer 'raide' audacioso,
porque quando saiu de Braga sabia perfeitamente que em Guimarães não havia
revoltosos”. Na realidade, as tropas do Metralhadoras n.° 2 haviam-se dirigido
ao Porto, onde se incorporaram nas forças revoltosas.
Assim
se baldaram as esperanças daqueles que lutavam contra a Ditadura Militar.
Estava aberto o caminho para o endurecimento do regime que durante longos anos
condenaria os melhores homens deste Povo ao degredo, à prisão e ao silêncio.
E
assim Guimarães perdeu o seu Metralhadoras n.° 2. Tal como já perdera o “20”...
António
Amaro das Neves
O Povo de Guimarães, 7 de Fevereiro
de 1980
0 Comentários