A inauguração do monumento a Afonso Henriques

Monumento a D. Afonso Henriques em Guimarães - Inaugurado em 20 de Outubro de 1887.

O rei D. Luís I esteve em Guimarães no dia 20 de Outubro de 1887 para inaugurar o monumento a D. Afonso Henriques e lançar a primeira pedra da Escola Industrial Francisco de Holanda, que iria começar a erguer-se no campo do Proposto. Dois meses mais tarde, a revista O Ocidente publicaria uma interessante reportagem sobre a visita real, ilustrada com uma gravura que reproduz o monumento ao primeiro rei português.


A família real no norte do reino
A família real chegou a Guimarães pouco depois do meio dia e o acolhimento que ali lhe foi feito ultrapassou tudo quanto havia a esperar dos sentimentos patrióticos do velho berço da monarquia.
Nas ruas havia embandeiramentos vistosíssimos, erguendo-se em muitas delas coretos para as músicas, e à entrada da de S. Dâmaso ostentava-se um grandioso arco triunfal, pintado pelo cenógrafo Lima, com versos dos “Lusíadas”.
Além disso, todas as casas tinham as janelas ornadas com variegadas colgaduras.
A entrada dos monarcas na cidade foi saudada com repiques de sinos, inúmeras girândolas de foguetes, o hino nacional tocado por doze filarmónicas e salvas de morteiros.
No percurso até à igreja da Senhora da Oliveira, a família real foi constantemente aclamada pela enorme multidão que se apinhava nas ruas, chovendo além disso sobre a carruagem nuvens de flores e bouquets arremessados das janelas, sendo também lançados pombos.
O templo da Oliveira estava ricamente ornamentado e ao entrarem nele as pessoas reais, que foram recebidas debaixo do palio, dois indivíduos tiraram os casacos e estenderam-os no solo para os augustos personagens passarem sobre eles.
Depois do Te-Deum acompanhado a grande orquestra, os monarcas e os príncipes foram examinar as preciosidades que se guardam no tesouro da Colegiada e em seguida dirigiram-se para o palacete do sr. conde de Margaride, onde foram recebidos pela sra. condessa e filhos e por outras senhoras da primeira sociedade vimaranense, bem como por catorze raparigas vestidas à moda do Minho, que espalhavam flores e cantavam versos alusivos às pessoas reais.
Dentro do átrio, as senhoras ofereceram à rainha e princesa D. Amélia preciosos bouquets artificiais com esplêndidas fitas, e pombas de estimação.
O palacete do nobre titular achava-se decorado e mobilado com extraordinária magnificência.
A família real, depois de descansar alguns momentos, recebeu os cumprimentos da câmara municipal, autoridades e corporações, sendo nessa ocasião entregue a Sua Majestade a rainha, pela professora da escola oficial das Caldas de Vizela, uma alocução pedindo-lhe para proteger a mesma escola.
Terminada a recepção, a família real dirigiu-se para o campo de S. Francisco a fim de inaugurar a estátua de D. Afonso Henriques, sendo durante o trânsito entusiasticamente vitoriada.
Entrando no elegante pavilhão que se destacava defronte do monumento, procedeu-se ao acto inaugural, descerrando el-rei e o conde de Margaride a bandeira nacional que cobria a estátua, obra magnífica do insigne escultor portuense Soares dos Reis.
Ergueram-se então vivas clamorosos, os foguetes estrondearam com profusão e as musicas executaram o hino nacional.
Ao passo que se procedia a esta cerimónia, chegava ao campo de S. Francisco o cortejo cívico que se organizara no largo da Oliveira e no qual tomavam parte todas as corporações literárias e artísticas da cidade, bem como as juntas de paróquia, associação comercial, associações de socorros mútuos, alunos das escolas, câmaras de fora do concelho, comissão promotora do monumento, diversas autoridades, membros da imprensa, etc.
Algumas das corporações, e especialmente as de operários, levavam bandeiras, que abatiam ao destilar por diante do pavilhão, incorporando-se igualmente no préstito as bandas marciais.
A família real mostrava-se comovida perante a imponência do cortejo cívico e das aclamações com que cada colectividade a saudava ao passar, e que eram correspondidas pelo povo que enchia completamente o campo.
Ao descerrar-se a estátua, el-rei, adiantando-se para o extremo do pavilhão, proferiu em voz alta e entusiástica as seguintes palavras:
A erecção da estátua ao homem que fez Portugal é o saldo honroso de uma dívida paga, embora tardiamente, depois de sete séculos, por um povo brioso. Neste dia soleníssimo, outra festa se comemora: a festa do trabalho o do progresso; mas por isso mesmo mais realce dá à comemoração do rei cavaleiro, que proclamou e fundou com a fé e com a espada a independência nacional.
O povo português, representado pelos habitantes de Guimarães, paga esta dívida ao grande rei significando ao mesmo tempo que, se no peito dos portugueses daquelas eras e nas veias daquele rei valente e corajoso, corria o sangue de bons e verdadeiros portugueses, também no peito e nas veias dos portugueses de hoje estua o sangue dos valorosos que sabem manter e defender a honra e a independência nacional.”
Este discurso patriótico arrancou as mais delirantes ovações, sendo difícil traduzir o que então se passou naquela massa enorme de povo, que como que electrizada, fez uma das mais calorosas manifestações aos monarcas.
Nunca se presenciara um espectáculo semelhante.
Duas meninas elegantemente vestidas, subiram pavilhão e entregaram à rainha um lindíssimo bouquet e um exemplar do numero único publicado em comemoração da solenidade que acabava de realizar-se.
Assinado o auto da inauguração, a família real, sob contínuos vivas, flores e pombas, dirigiu-se para a casa da Sociedade Martins Sarmento, que visitou, examinando com curiosidade especial, a colecção numismática e o museu arqueológico.
A direcção daquele florescente grémio, manifestaram as pessoas reais o seu louvor pela iniciativa e pelos serviços já importantes prestados por ele à instrução e à arqueologia nacional.
Dali Suas Majestades e Altezas seguiram para o Campo do Proposto, onde se procedeu ao lançamento da primeira pedra do edifício para a escola profissional de cutelaria e tecelagem.
Havia naquele local um pavilhão forrado de seda azul e branca onde tomaram lugar as pessoas reais, autoridades, conselheiro Madeira Pinto, inspector das escolas industriais, diversas damas e outras pessoas.
Na cavidade da pedra angular foi encerrado um rico cofre de prata cinzelada, comendo todas as espécies de moedas cunhadas no reinado do sr. D. Luís.
Sua Majestade colocou a referida pedra, que tinha a seguinte inscrição: “Sua Majestade el-rei D. Luís I, no dia 20 de Outubro de 1887 colocou a pedra fundamental da Escola Industrial “Francisco de Holanda”.
O sr. conde de Margaride, presidente da câmara, proferiu por essa ocasião um discurso adequado, ao qual Sua Majestade respondeu que se honrava de assistir a tão grandiosa festa do trabalho.
Terminada a cerimónia, a família real encaminhou-se para o palacete do sr. conde de Margaride, onde foi servido o jantar, para o qual haviam sido apenas convidadas as principais autoridades, incluindo o sr. governador civil de Braga e alguns titulares.
Ao mesmo tempo era oferecido pela comissão dos festejos, à imprensa, um banquete na sala da escola do Asilo de Santa Estefânia, presidindo o sr. ministro das obras públicas.
O banquete foi de 100 talheres assistindo a ele além dos jornalistas de Lisboa, Porto, Braga e Guimarães, os srs. par do reino Vasco Leão, deputados Guimarães Pedrosa e capitão Machado, conde da Azenha, visconde da Torre, Madeira Pinto, Parada Leitão, Soares dos Reis e outras pessoas.
O sr. conselheiro Emídio Navarro ergueu o primeiro brinde à cidade de Guimarães, berço de sua mãe, seguindo-se outros que foram fechados pelo mesmo ministro, que relembrou que o estabelecimento das escolas industriais se devia à iniciativa do falecido conselheiro António Augusto de Aguiar.
Durante o banquete um aluno da escola “Francisco de Holanda” leu um discurso dirigido ao sr. conselheiro Emídio Navarro, oferecendo-lhe em nome dos outros alunos uma pena de ouro encerrada em um elegante estojo.
À noite a família real andou a ver as iluminações que eram vistosíssimas, especialmente na praça do Toural e no monte da Penha, onde ardiam numerosas barricas de alcatrão, o que produzia um efeito maravilhoso, e às nove horas e meia regressou a Braga, sendo acompanhada até fora da cidade pelas autoridades e corporações que a tinham ido esperar, por grande numero de populares com archotes e pelas musicas.
Antes de partir, el-rei entregou ao sr. administrador do concelho 300$000 réis para serem distribuídos pelos pobres da cidade.
Fora tal a quantidade de povo que afluíra a Guimarães, do Porto e de outras localidades para presenciar os festejos, que mais de 1000 pessoas tiveram de ficar nas ruas por não haver lugares nos hotéis.
O Ocidente, 10.º ano, volume X, n.º 324., 21 de Dezembro de 1887, pp. 2 a 4

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