E
depois há Nespereira, a freguesia do Concelho de Guimarães onde, há
mais de um século, Raul Brandão e Maria Angelina decidiram
construir a sua casa. Será que o nome lhe vem da árvore das nêsperas?
A
acreditar no que escreveu o pároco de Santa Eulália de Nespereira,
o vigário Francisco
Rodrigues Cardoso de Assis, na resposta que deu em 5 de Maio de 1842
ao Inquérito Paroquial concelhio, o nome da freguesia seria uma
corruptela do nome de uma mulher nobre, proprietária de boa parte
dos bens da freguesia. Diz ele:
O
orago desta freguesia é Santa Eulália de Nespereira, este sobrenome
do orago: vem de em tempos muito remotos haver nesta freguesia uma
mulher nobre, e quase Senhora da maior parte dos prédios, e ao mesmo
tempo benfeitora desta igreja, é a razão porque acresceram ao orago
Santa Eulália de Inês Pereira, que assim se chamava a tal mulher, e
depois corrupto vocábulo, ficou Nespereira.
Nespereira
é um topónimo comum a quatro freguesias de Portugal (e a mais umas
quantas da Galiza), todas elas muito antigas. Situam-se, além de
Guimarães, nos concelhos de Lousada, Cinfães e Gouveia.
Curiosamente, na Nespereira de Gouveia, o topónimo também derivaria
da contracção do nome de uma
outra Inês Pereira, que ali teria erigido uma casa acastelada.
Porém,
é seguro que a Inês Pereira da Nespereira vimaranense nunca
existiu, o que não quer dizer que não tenha havido, no passado mais
remoto da história da freguesia, uma grande proprietária que foi
senhora da maior parte dos bens da terra. Existiu mesmo e todos a conhecemos: chamava-se
Mumadona Dias e aparece no documento mais antigo onde está inscrito
o nome desta freguesia. Foi lavrado há mais de mil anos, no dia 5 de
Agosto do ano de 950. Nele, a Condessa Mumadona faz uma divisão de
bens pelos seus filhos, cabendo a “villa nesperaria” a seu filho
Gonçalo (documento VI da colecção Vimaranis
Documenta Historica,
VMH). Mais tarde, no seu testamento, com data de 26 de Janeiro de
959, Mumadona destinou Nespereira ao mosteiro que fundou em Guimarães
(VMH, doc. IX).
Ainda antes de findar o século X, Nespereira
aparece num outro documento. Trata-se de um documento de uma
transacção, datado de 6 de Novembro de 973, em que um
tal Idiberto e a sua mulher Fradegundia venderam a Guntemiro e
aos frades e freiras de Guimarães, metade da igreja de “sancte
eolalie que est fundata in villa nesperaria subtus monte de cauallus
territorio bracharensis”, ou seja, de Santa Eulália da Vila de
Nespereira sob o monte Cavalo, no território bracarense (o Monte
Cavalo é o nome que antigamente era dado à corda de montes situados entre o rio
Vizela e o rio Ave).
Nos
séculos que se seguiram, nunca perdemos o rasto a esta Nesperaria (que, a partir do início do século XI já se escrevia
como hoje, Nespereira), sem que haja sinal de qualquer grande
proprietária local chamada Inês Pereira. Assim sendo, só nos resta
concluir que a freguesia onde Raul Brandão escreveu parte
significativa da sua obra literária tem o nome de uma árvore que dá nêsperas. Que, para que não restem dúvidas, não é a sua
homónima japonesa, a que dá o fruto dourado e de grandes caroços
castanhos e brilhantes a que chamamos magnórios (e a que já ouvi
chamar, muito apropriadamente, japonas). Dessa árvore importada do
Oriente só temos notícias na Europa a partir dos finais do século
XVIII, quando a Nespereira de Guimarães já somava mais de oito
séculos.
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