O Castelo de Guimarães em 1850. Desenho e litografia de J. P. Monteiro. |
Em 1829, 1836 e 1839 aventou-se a demolição do castelo ou, pelo
menos da sua torre de menagem. Em 1836, quando ainda não se tinham apagado os
ecos da guerra civil, a proposta partiu de um liberal mais exaltado, que
pretendia fazer ao Castelo de Guimarães o mesmo que os revolucionários da França
de 1779 fizeram à Bastilha, “por ser uma cadeia bárbara que serviu no tempo da
usurpação”. Nos três casos, havia uma outra razão, menos revolucionária: as
pedras do castelo (ou a receita da sua venda) seriam muito úteis para
melhoramentos urbanos, nomeadamente para a reparação das calçadas das ruas. Das
três vezes prevaleceu o valor histórico e patrimonial do velho monumento, que
sobreviveu às tentativas para o derrubar.
Poucos anos mais tarde, quando o século XIX dobrava a meio, já o
espírito do tempo era bem diferente. Já não se falava em arrasar o castelo, mas
em cuidar dele. A Câmara Municipal instalou uma Comissão de cidadãos com a missão
de “reparar, reedificar e embelezar o Castelo desta mesma Vila tão notável pela
sua tradição e antiguidade, como belo e agradável pela sua posição”. No dia 21
de Julho de 1850, esta comissão fez distribuir uma circular em que anunciava os
seus propósitos e solicitava o apoio, nomeadamente financeiro, dos seus
concidadãos para poderem levar a bom termo a sua missão. E o velho e austero
castelo de Guimarães, que tinha resistido a três tentativas para o derrubar,
quase que morria às mãos de quem se apresentou para o salvar. Mas essa é uma
história que contaremos mais lá para diante.
Por agora, aqui fica o artigo que Alberto Vieira Braga publicou em
1927, em que divulgava a circular da comissão de 1850.
~*~
O Castelo de
Guimarães
Os seus velhos Amigos de há perto de um século.
Principiam agora a dispensar no Castelo de Guimarães muitas
honras, honras de Chamadoiro no tocante ao registo ministerial, e se de alguma coisa
estas crismas valem, que valham praticamente, tornando os honrarias
protocolares no valimento de obras necessárias, a que de há muito espera aquela
relíquia, considerada Monumento Nacional nos livros velhos das repartições
ligadas ao assunto monumentos.
Agora todos lhe querem e o querem, porque o vêem desencantado dos
quintalórios, tendo merecido honras de proveito e de valor no esforço votado,
quase que em silêncio e modestamente, para desentulhar, num rasgado de nova
sensação, tão majestoso Castelo, que nos aparece nas primitivas bases de
domínio e
Quem sabia lá como aquilo era!
E afinal assim por ali de roda devia ter sido o pedestal do
Castelo dominador.
Fez bem a Câmara em ordenar aquela sua melhor obra, e muito se
deve a José de Pina, que tem sabido olhar por ela e dela tem sido a alma,
dispensando-lhe amor e saber, no arranjo da moldura para ainda ao jeito tão
grande maravilha, imponente nas torres que se levantaram no passado em mirantes
de vigília e de guerra.
Agora, que os que lhe deram as honrarias da nova incorporação
ministerial, lhe completem a obra, para que o Castelo de Guimarães seja como
deve e merece, o orgulho maior dos Portugueses.
Na imprensa tem tido ele, ultimamente, os melhores pugnadores,
bons e persistentes pugnadores, tem sido incensado como merece, tem sido
carinhosamente tratado de palavras, e de ânimo valoroso e em riste têm os
pugnadores vigilantes, entusiasmado os homens do mando para que para que façam
no Castelo as obras de que necessita.
Amigos, teve-os sempre. O interesse dos Vimaranenses por aquela
relíquia, foi de todos os tempos.
E é bom que se saiba tudo isto, para satisfação nossa, para elogio
dos nossos antepassados, que sempre pugnaram pela melhoria e conservação do
Castelo de Guimarães.
Quem revolve papéis velhos topa sempre coisas interessantes, e
interessante não deixa de ser a circular que um grupo de Vimaranenses espalhou há
77 anos pela vila de Guimarães, em defesa do Castelo.
Dessa data em diante, uma vez o grito lançado, surgiram os
primeiros amigos do Castelo.
É curioso o plano de melhoramentos de então, muito ao sabor desses
tempos, que não se abriam em rasgos e larguezas de obras bem calculadas e bem
ajustadas.
Mas louvemos-lhes a boa vontade.
Com os tempos, é bem certo, voltam outros homens e mudam muitas
coisas.
Surgiram, pois, em 1850, os primeiros amigos do Castelo, e deles
nasceu o primeiro plano de obras.
Não queremos dizer que esta data seja a mais antiga defensora do
Castelo. A mais antiga e conhecida até hoje, sim, é natural...
A circular diz:
“A
Comissão composta dos Cidadãos abaixo mencionados, e instalada debaixo dos auspícios
da Ilma. Câmara desta Vila de Guimarães, para o fim de explorar, reparar,
reedificar e embelezar o Castelo desta mesma Vila tão notável pela sua tradição
e antiguidade, como belo e agradável pela sua posição apresentando os melhores
pontos de vista, convida todos os Cidadãos desta mesma Vila para subscreverem
com quaisquer quantias a fim de ser levada a efeito uma tal empresa de
reconhecido e geral interesse.
A
Comissão tem em vista reparar os muros do Castelo que se acham desmoronados, e
em estado de ruína, fazer portas, escadas, parapeitos e grades, para que se possa
passear em volta do mesmo Castelo com segurança e suavidade — tornar comunicáveis
os pequenos castelos com o grande Castelo Central, fazendo-se neste diferentes
andares, sendo o último um terraço, que pela sua elevação apresentará o melhor golpe
de vista — reparar a Capela de S. João e fazer enfim tudo o mais que se torne útil
e conveniente na proporção dos meios que se forem obtendo.
A
Comissão não poupará esforços para corresponder à confiança da Ilma. Câmara
sempre desvelada em promover os interesses e vantagens do Município. A mesma
Comissão para dar aos Cidadãos desta Vila um testemunho liei dos interesses que
toma nesta empresa, não só concorre com seus trabalhos e fadigas, mas também
subscreve com quotas pecuniárias, e espera que seus Concidadãos Vimaranenses
animados de igual interesse seguirão o seu exemplo.
Guimarães,
21 de Julho de 1850,
Presidente
Rodrigo Lobo
Machado e Couros.
Domingos de
S. Miguel Durães.
João Machado de
Melo e Castro.
Francisco de Azevedo
Varela.
Custódio José
Fernandes Guimarães.
João António Fernandes Guimarães.”
Agora, e pelo mesmo preço, um alvitre:
Que aprontem as obras no próximo ano, lá para a data da batalha de
S. Mamede, e servindo o Castelo de pano de fundo, de cenário imponente e majestoso,
fora ou dentro, quer na lembrança das lutas íntimas, quer na recordação de
guerrilhas em campo livre, façam que ali, alguém de nome, em apoteose, venha dizer
do valor daquele monumento e do seu significado dentro da história de Portugal,
fazendo-nos viver aquela vida toda de entre as muralhas, ameias e torres,
erguendo os nossos olhos as figuras mais prestigiosas do tempo, e assim terão
dado uma lição de civismo, de passo que tornarão conhecida do povo a história
de Guimarães, ligada ao tão falado Castelo, velho Monumento Nacional.
Alberto V. Braga
O
Comércio de Guimarães, 14 de
Outubro de 1927
[Continua]
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