Por uma cidade com árvores

A Avenida D. João IV nas primeiras décadas do séc. XX, com o seu característico "túnel" de tílias. Atente-se na vista da cidade que aparece do lado esquerdo, onde sobressai, para lá da torre da igreja de S. Francisco, a torre da igreja de S. Dâmaso, ainda no seu local de implantação original.

Aqui arrancam-se as árvores como se fossem ervas daninhas. Em frente da minha casa havia uma de ramagens vigorosas que me entravam pela varanda. Os pássaros, o que temos de mais próximo dos anjos, estavam ali de manhã cedo a lembrar-me que, na minha poesia, os melhores versos lhes pertenciam. Arrancaram-na, e arrancaram outra ao lado, e outras mais adiante. A Câmara mandou arranjar os espaços para se arrumarem mais carros.
Eugénio de Andrade.

Desde meados do século XIX, até às primeiras décadas do século XX, eram frequentes as denúncias de arboricídios cometidos nas ruas e praças de Guimarães, muitas vezes pela calada da noite, quase sempre em nome do progresso. Havia "urgência" em desimpedir as ruas para as atravancar de carros. Por onde se vê que grande parte da discussão que por aí anda tem pouca novidade: há muito que em Guimarães se derrubam árvores para acomodar automóveis e nunca esses derrubes passaram sem protestos públicos. Na imprensa local vimaranense não faltam exemplos nem de arboricídios, nem de reclamações. A destruição de arvoredo mais extensa a que assisti aconteceu num dos anos iniciais do último quartel do século XX, por obra e graça da primeira vereação eleita em democracia, com o corte das tílias que davam vida e carácter à Avenida Velha. De nada adiantaram os protestos que então se fizeram ouvir como, até hoje, nada adiantaram as dúvidas, os alertas e os protestos que se ergueram contra o enchimento de betão e automóveis de uma das últimas manchas verdes que ainda sobreviviam às portas do Centro Histórico, numa área especialmente sensível, para dois desígnios colectivos da cidade, o alargamento aos arrabaldes de Couros da área classificada como Património Mundial e a candidatura a Cidade Verde Europeia. Valores mais altos se levantam, certamente, mas ainda não percebemos quais sejam eles.
Vem esta conversa a propósito do texto que aqui partilhamos agora. Foi publicado em 1899, no jornal vimaranense O Progresso. Parte de um decreto do Governo, que mandava que, junto às linhas de caminho-de-ferro e às estradas, se passassem a plantar árvores adaptadas a cada região, nomeadamente espécies frutíferas, para sugerir que se passasse a proceder do mesmo modo na arborização dos espaços públicos urbanos, plantando neles, por exemplo, diospireiros e laranjeiras. Homem prevenido, o autor do artigo deixava uma advertência ao vereador do pelouro: que não cometa “o erro de derrubar árvores já feitas por novos exemplares das mesmas, ou outras espécies”.
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Arborização nos largos e praças municipais
 Entre as providências, de verdadeiro acerto, do actual ministro de Obras Públicas, inclui-se o decreto de 4 de Agosto de 1896, facultando o aproveitamento para a agricultara dos terrenos do Estado junto às vias férreas ou estradas ordinárias, até em parte dos taludes e aterros pertencentes às mesmas estradas.
E ordena-se nesse decreto, que para plantações que orlam as estradas ordinárias serão preferidas — essências florestais e árvores de fruto — adequadas à região.
Esta prescrição não obriga, mas sem dúvida há-de sugerir às camaras municipais a mudança de costume de encher ruas e praças de árvores exóticas e de simples ornamentação.
Entre nós, nesta velha cidade de Guimarães, encheu-se a avenida de Vila Flor ao Campo da Feira com os renques de tílias. Árvores bonitas, de boa sombra, mas sem outra utilidade mais do que a de fornecer as farmácias com profusão de flores para chá... Ora, não seria, mais atraente à vista, e mais útil, entremear esses centenares de tílias, ali postas numa uniformidade monótona, com outras árvores, até frutíferas, que as há formosíssimas?
Não ficariam bem. nos nossos pequenos largos, alguns diospiros, de bom fruto, algumas laranjeiras, de formosíssimo aspecto, com o sen fruto de ouro encastoado na folhagem verde escuro? Valem bem uns ailanthus, ou plátanos, ou quaisquer outras.
Invocamos a atenção da esclarecida vereação para este assunto.
E ao vereador pedimos que não siga na esteira dos seus antecessores, que, sem reflectir que uma árvore leva mais de dez anos a desenvolver-se, cometeram o erro de derrubar árvores já feitas por novos exemplares das mesmas, ou outras espécies. As renovações devem fazer-se, aproveitando os lugares vagos apenas, ou quando as adultas de tal modo se deterioram, que já não prestam utilidade alguma de sombra, ou fruto.

O Progresso, Guimarães,19 de Fevereiro de 1899

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