Darracq Gladiator de 10 cavalos e 2 cilindros, de 1903. |
Leio num artigo já antigo que um amigo partilhou no Facebook, e
originalmente publicado naquela rede social, na página “Memória e história de Fafe e dos fafenses”:
O primeiro automóvel que chegou a Guimarães em 1904 era pertença do industrial fafense Bernardino Jordão.
Não sou capaz de dizer, por falta de informação disponível, se o
primeiro automóvel que chegou a Guimarães pertenceu a Bernardino Jordão,
empresário que se destacou pelo seu pioneirismo em diferentes áreas, não me
admirando que também o fosse no campo da viação automóvel local. No entanto, a
ter acontecido o que se lê no texto que citei acima, aconteceu antes de 1904,
uma vez que já havia automóveis em Guimarães, pelo menos, desde 1903.
Na edição de 11 de Setembro de 1903 de O Comércio de Guimarães dava-se voz a queixas que já então se
escutavam na cidade, contra as “corridas vertiginosas” dos automóveis que a
atravessavam, colocando em risco as vidas dos transeuntes. A breve nota do jornal concluía assim:
Ora, que
sejam maltratados os que vêm dentro, não é caso para grande lamúria, porque lá
trazem o governo nas próprias mãos, mas que se cause dano a quem passa, e que não
tem culpa dos disparates alheios, é o que se torna necessário remediar, se isso
tem remédio, como nós supomos.
Há muito que ouço dizer que foram os irmãos Simão e Álvaro Costa
que introduziram o primeiro automóvel em Guimarães. Esparsamente, vou
encontrando nos jornais da época notícias que parecem confirmar esta afirmação.
A mais antiga retirei-a do jornal O Comércio de Guimarães e tem a data de 6 de
Outubro de 1903:
AUTOMÓVEL — No domingo
passado, pelas 11 horas da manhã, chegou o automóvel que os snrs. Simão e Álvaro
Costa tinham encomendado em Paris.
É muito bem
construído e muito elegante. Tem dois cilindros e a força de 10 a 12 cavalos.
O snr. Álvaro
Costa já o tem dirigido em vários passeios e parece-nos estar satisfeito com a
máquina.
Os nossos
parabéns.
O primeiro automóvel dos irmãos Costa era um Darracq. A ele se
refere o Coronel António de Quadros Flores, nas suas memórias da viragem do
século que, na década de 1950, partilhou com os leitores do Notícias de Guimarães e que, mais tarde, foram
publicadas num livro que merece ser lido, por muitas razões. Assim começa o seu capítulo XXI:
Os automóveis fizeram a sua aparição em
Guimarães já não sei em que altura, se neste século, se no fim do passado, mas
é possível que fosse neste e a única reminiscência é a do automóvel do sr. Álvaro Costa, um carro ligeiro, tão ligeiro
que lhe chamavam — aranha.
O nome técnico era de voiturette, que é como quem diz — um carrinho — ou
presentemente “Joaninha”, mas muito mais alto e descoberto, para quatro pessoas
e, como todos os outros automóveis, com dispositivos que dariam uma barrigada
de riso aos automobilistas destes “espadas” de agora; mas naquele tempo faziam
um figurão e eram invejados por toda a gente.
Lá das coisas técnicas é que nada sei, apenas
me recordo de que, para o pôr em andamento, tinha o condutor de descer do seu
lugar para dar à manivela que permanentemente trazia à dependura na frente do
motor, mas o seu funcionamento interior é que foi para mim sempre mistério.
O guiador, ou volante, era do lado direito e
assim se conservou durante dezenas de anos, tendo ao lado, e fora da carroçaria,
as alavancas do travão de mão e das velocidades; tinha os mesmos três pedais de
agora e com o mesmo fim, mas não havia mostrador de qualquer espécie indicando
o nível do óleo, da gasolina, da bateria, nem da velocidade de corrida, aquilo
tudo era a olho e dependia dos cuidados do condutor.
A iluminação era de acetilene em lanternas que
se carregavam na ocasião e davam luz suficiente para o trânsito de então, sem
encandear os parceiros que vinham em sentido contrário.
Quanto a sinais acústicos eram buzinas
pneumáticas que partiam do guiador num longo tubo de borracha até ao bocal à
frente do radiador.
Isto conseguia-se com uma bola de borracha
adaptada ao tubo e que se comprimia, como uma seringa, para dar o som
característico de pó-pó, com que ainda agora, e por atavismo, se designam aos
meninos os automóveis.
Este pó-pó serviu de tema a cançonetas e
cantigas populares como esta:
Pó-pó-pó
Não s’esteja a escamar
Quanto mais você s’escama
Mais pó-pó lhe hei-de chamar
E depois quem mais sorte dava eram os velhotes
que usavam “carqueja”.
Ora o automóvel era um meio de transporte de
tal categoria que só o facto de ter feito uma viagem nele dava tanto prestígio
ao passageiro, que todos o olhavam com admiração e inveja, e por isso se pode
calcular o do seu dono, e principalmente de quem o guiava.
Coronel António de Quadros Flores,
Guimarães na última quadra do romantismo,
1898-1918, Tipografia Ideal, 1967, cap. XVIII, pp.127-128
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