A segunda parte (que publicamos agora) e a terceira parte (que publicaremos
a seguir) das cartas do Minho do Monsenhor Silvano de Almeida são exclusivamente
dedicadas à Fábrica de Pentes a Vapor da Madroa, dos irmãos José e Francisco Dias
de Castro. Segundo os nossos registos, a fábrica teria tido um outro sócio,
José Lerdeira Guimarães, que não é mencionado nestes textos que saíram em
finais de 1899 no jornal O Progresso, de Guimarães. A história da implantação
desta fábrica, que produzia pentes de celulóide, chifre e unha de boi, de que
tinha o exclusivo nacional é muito curiosa. Para a sua instalação importaram a tecnologia de
França, assim como o técnico que a dominava, Edmond Sevray. Como se perceberá,
os seus proprietários tinham sólidas preocupações sociais e morais, de que é
exemplo tratamento que deram a um maquinista, um dos seus oficiais melhor
remunerados: durante os quatro longos meses em que esteve afastado do trabalho,
continuaram a pagar-lhe religiosamente o seu salário mas, a seguir, e apesar de exercer uma profissão para a qual, pela sua raridade, seria muito difícil encontrar substituto no mercado, não hesitaram em despedi-lo por causa do assédio que
movia a uma operária da fábrica (que, tal era o rigor dos irmãos Dias de
Castro, também foi despedida).
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Cartas do Minho
A máquina que faz girar os rebolos e as serras
mecânicas que abrem os dentes, tem a força de 12 cavalos.
A produção diária é de 150 dúzias, ou sejam, 1800
pentes por dia. Fabrica desde o pente ordinário até ao mais elegante e
caprichoso, e tanto de chifre como de
celulóide, que mandam vir de França em pequenos pães quadrados ou
tiras, segundo os tipos.
Também fabricam pentes de unha de boi, de que têm privilégio
por 3 anos, visto que em Portugal não é conhecido tal fabrico.
A fábrica emprega 19 mulheres, cujo jornal é, em
média, 200 réis e 21 homens, cujo jornal é de 300 réis, em média. O trabalho é
sempre certo; e mais fazem os proprietários: quando qualquer operário adoece,
pagam-lhe o jornal por inteiro até que volte ao trabalho. Assim me disseram ter
feito, há pouco, ao maquinista,
doente mais de 4 meses, a quem continuaram dando o jornal de 700 réis que
ganhava!
Este só facto demonstra a nobreza dos sentimentos
caritativos e cristãos dos proprietários, igualmente escrupulosos em manter a
mais rigorosa disciplina moral na fábrica. O mesmo maquinista, figura sempre
difícil de substituir pela raridade, foi despedido recentemente por não atender
às admoestações feitas pelo patrão a respeito duma operária que ele
desassossegava: ambos foram despedidos.
Se muito lhes tenho dito da obra, ainda nada sobre os
autores dela: pois há que dizer, e merecem-no, que tais iniciativas não devem
ser para lacunas.
Os proprietários são 2 irmãos— Francisco e José Dias de Castro, girando a fábrica com o nome Dias
& Irmão. São ainda homens novos, não tocaram os 40, ainda
que lhes andem perto, segundo me pareceu; estão na força da idade, e no vigor da
vontade. Eram negociantes de fazendas brancas, aqui em Guimarães. Um dia lembraram-se de acabar com o negócio e tornarem-se industriais.
Achando-se aqui tão vulgarizada a indústria dos pentes,
mas reduzida aos processos primitivos, e sendo tanta assim mesmo a extracção, empreendem
em introduzir no fabrico os recursos que a mecânica tem dado ao trabalho. Pensaram montar uma fábrica de pentes.
Como, porém, iniciá-la? Em Portugal não havia quem fosse
capaz de se encarregar de tal empresa. Escreveram a um correspondente que
tinham em França, comunicaram-lhe o seu pensamento, e pediram-lhe que lhes
arranjasse um técnico, criado na arte. Depois de várias diligências apareceu o
homem que lá praticava esta indústria, em pequena escala por falta de recursos,
e ofereceu-se a vir com a condição dos srs. Dias lhe comprarem todo o trem que ele lá
tinha, pelo preço por ele estipulado, e receber 300 francos por mês, ou fossem 3600
francos e mais 2000 francos de
gratificação no fim do ano: ao todo 5600 francos, quase 1:200$000
réis.
Como vêm, o cidadão francês M. Edmond Chevrey,
que assim ao chamava, fez valer sua habilidade e segurou-se. Não o censuro por
isso, tanto mais que já não é
do numero dos vivos, havendo falecido em Novembro de 1898, tendo vindo em 1893,
em que a fábrica se fundou e começou a funcionar sob sua direcção e inspecção.
Morreu de um cancro no estômago. Quando se sentiu assim ferido de morte
procedeu lealmente chamando o patrão José Dias de Castro
alguns meses antes, para o industriar em todo o trabalho técnico, a fim de que por morte
dele, não cessasse a laboração, ou não lhe sobreviessem apuros e dificuldades.
Assim é que, à morte dele, o sr. José Dias de Castro o substituiu sem quebra
ao movimento usual.
Eles lhe foram gratos, já durante a doença, em que o rodearam de todos os cuidados e
assistência amiga, já na morte, que diligenciaram fosse cristã, já depois dela
nos funerais solenes que lhe fizeram com a assistência de todo o pessoal da fábrica,
que fecharam em sinal de luto.
Hoje a fábrica está em via de grande prosperidade,
vendendo para as praças do Porto e Lisboa, e aqui quanto diariamente produz!
(Continua)
Mgr [Monsenhor] Almeida Silvano
O Progresso, Guimarães, 26 de Novembro de 1899
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