As indústrias vimaranenses em 1899 (1)

Fábrica de Tecidos a Vapor do Castanheiro (fotografia da Exposição Industrial de Guimarães de 1908)
Em 1899, o Padre Almeida Silvano visitou o Minho e, em vários artigos que foram publicados no periódico vimaranenses O Progresso, descreveu as indústrias de Braga e de Guimarães. Para fazer o retrato da actividade industrial de Braga não chegou a precisar de duas linhas, despachando-o em duas penadas: “a principal e quase única indústria de Braga é a chapelaria; vem já de há muito tempo”. Deteve-se detalhadamente nas indústrias vimaranenses. No primeiro texto, que saiu no jornal de 19 de Novembro daquele ano, detém-se nas indústrias de tecidos, depois de visitar a Fábrica do Castanheiro, das cutelarias, dando como exemplo a oficina de Manuel da Silva, marca n.º 35, e dos pentes, cuja produção conheceu na Fábrica da Madroa. O texto é muito interessante pelas informações que aporta.

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Cartas do Minho

RESUMO

Suas indústrias; a cutelaria manual e mecânica; o fabrico de pentes; como se montou uma fábrica de pentes; suas fases, produção e florescente estado actual; porque se não fala doutras fábricas e monumentos.
A principal e quase única indústria de Braga é a chapelaria; vem já de há muito tempo; a indústria de Guimarães é muito mais larga e variada, sobressaindo em cutelaria, tecelagem de linho e algodão, curtumes, ferragens e fabrico de pentes, de celulóide como de chifre.
De cutelaria encontra o amigo leitor, se cá vier, uma fábrica logo na passagem, vindo pela avenida velha, ou de nascente, e bem assim uma boa fábrica de tecidos de algodão e linho, a qual ainda anda em obras: tanto uma como outra são de fundação recente, e novas me foram. A de tecidos leva largas proporções; além desta há a do Castanheiro, também perto da estação, ao longo da ferrovia. Esta está florescente: o industrial que a fundou lutou com muitas dificuldades, tendo por vezes chegado a ponto de desanimar. Quando negociante de fazendas, teve um marçano a quem se conheceu aptidão para a mecânica; concebeu o projecto da futura fábrica, e mandou-o para Inglaterra aprender o curso de engenheiro mecânico, estando lá 4 anos. No fim dos voltou, tendo gasto ao patrão a bagatela de 1.000 libras, ou 4:500$000 réis!
Montou a fábrica de tecidos: por vezes julgou-se perdido, mas, perseverante como era, logrou salvar a obra e pô-la em via de grande prosperidade. Quando, há anos, faleceu deixou aos filhos uma fortuna de 70 contos, além da galinha da fábrica, que está sempre a pôr ovos.
Hoje um filho continua à frente da fábrica.
Além destas 2 fábricas, há muitos teares espalhados pela cidade, de trabalho manual, como dantes, empregando-se nisso muitos braços de mulheres. É curioso analisar este fabrico, um dos mais importantes do país.
De cutelaria visitei a oficina de Manuel da Silva, n.º 35, marca registada, como se lê nas facas que lá são feitas, e noutros objectos laminados, como cutelos, tesouras, etc. É esta uma das marcas mais acreditadas e espalhadas no mercado, segundo tenho verificado nas lojas do Porto. Imaginava eu que seria uma grande fábrica. Não; é uma oficina onde trabalham apenas 6 homens. Lá assisti à feitura das facas, desde o ferreiro que faz a liga de aço a um pedaço de barra de ferro, até ao polido e brilho da lâmina, dado num rebolo. É tudo feito à mão, e trabalho muito custoso. A média dos jornais que os operários ganham é de 400 réis.
A oficina produz diariamente 6 dúzias de facas, e tem 2 fornos e 2 rebolos grandes para dar o 1.º polimento. Os mesmos artistas preparam o osso e fazem os cabos.
A oficina fica no Miradouro, subúrbios da cidade, a uma distância como aí Medelo.
Depois para confrontar o que vai do trabalho manual, demorado, paciente e laborioso, ao rápido e fácil da máquina, visite então a fábrica que se encontra na Avenida velha, ou do Campo da Feira, que já lhe falei.
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Uma indústria que aqui vim encontrar mui aperfeiçoada foi a de penteeiro, que até pouco, era toda manual, e agora observei mecânica também. Como era trabalho novo, quis analisá-lo mais de perto, pois me tinha chamado a atenção a bela e variada colecção de modelos que tinha visto na Biblioteca Pública, de que logo falarei, onde estão em exposição.
Ontem, 2.ª feira, foi o dia destinado à visita da fábrica chamada Madroa, que se encontra ao fim da rua da Alegria, para os lados da estação ferroviária; o nome vem-lhe do lugar assim conhecido.
À beira do caminho, do lado direito para quem vai, vê-se uma casa formada por um barracão dos seus 30 metros de comprido por 10 de largo, muito elegantemente alçado, na sua singeleza e construção ligeira, e de bom pé direito — os seus 9 a 10 metros: forma com a estrada um ângulo recto.
A entrada, muito simples, dá logo ideia do bom gosto e asseio dos que a edificaram e conservam: canteiros de flores e trepadeiras lhe cobrem a frente em direcções caprichosas, deixando bem a claro o nome da fábrica.
Perguntei pelo director, sem me ter feito recomendar, certo de que seria atenciosamente recebido como noutras casas, e porque tenho observado que aqui, neste meio operário a batina do padre ainda não espanta eles...
Não me enganei: apareceu logo o proprietário sr. Francisco Dias de Castro, que me convidou a entrar para o seu escritório, pequeno, mas suficiente e ordenadamente disposto. Comunicado o fim da minha visita, logo se prontificou a, ele mesmo, me acompanhar, observando eu todo o trabalho gradual do fabrico. Como é interessante e instrutivo!
Ao comprarmos um pente mal podemos imaginar a série de operações, as mãos variadas por que ele passa para nós o termos na mão! Um operário corta o chifre, outro o lança na fornalha, outro o prensa, outro o lança de molho em depósitos, outro o corta em formas, outro o adelgaça e dá preparo, outro lhe abre os dentes, outro lhe dá o primeiro polimento, outro o último brilho, outro faz as caixas em que tem de ser empacotado, outro o embrulha e mete nelas!!
Mgr [Monsenhor] Almeida Silvano


O Progresso, Guimarães, 19 de Novembro de 1899

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