Ruínas da Citânia de Briteiros (fotografia de Francisco Martins Sarmento) |
Em 1907, a revista francesa de Tour du Monde publicou o relato de uma viagem Gérard de Beauregard e Louis de Fouchier ao Norte de Portugal, de onde extraímos e traduzimos o excerto que se refere à passagem dos dois viajantes por Guimarães e pela Citânia de Briteiros, onde é particularmente curiosa a descrição de uma missa em dia de Ascensão a que assistiram em Briteiros. Aqui fica.
[Já antes a mesma revista tinha passado por Guimarães. Foi em 1857, eo respectivo relato pode ser lido aqui.]
Uma vez passada Santo Tirso, famosa pelas suas belas mulheres e pelos
seus ornamentos, a paisagem muda. Alarga-se uma garganta onde ruge uma
torrente; as encostas, muito íngremes, são feitas de enormes blocos de granito,
entre os quais se erguem pinheiros; em seguida, de novo a garganta se torna
vale; a estrada serpenteia entre bosques e pára à vista de Guimarães.
É uma cidade muito antiga que domina as ruínas, também elas quase
tão antigas como o castelo onde nasceu Afonso, o primeiro rei de Portugal, príncipe
meio francês, por ser filho de Henrique de Borgonha. Mas, ao mesmo tempo que é
uma cidade de história, é também uma cidade de lenda. Não foi ali, no mesmo
lugar que ocupa Nossa Senhora da Oliveira, que o visigodo Wamba não consentiu
aceitar a coroa que lhe foi oferecida sem antes ver o seu aguilhão de oliveira ganhar
raízes e cobrir-se de folhas? Os velhos ainda viram a oliveira caduca e
venerável, cercada pela sua pequena grade. Extinta pelo
nosso cepticismo, a estaca miraculosa desapareceu, há muitos anos.
Em Guimarães, tudo transmite uma atmosfera de exotismo e de
antiguidade. As janelas das casas, grandes e de guilhotina, fazem lembrar uma
cidade holandesa ou inglesa, enquanto que o claustro São Domingos abriga uma
série de relíquias escultóricas, não só romanas, mas também ibéricas, estas tão
antigas que não ousámos atribuir-lhes uma data, e provenientes da Citânia, cujos
vestígios são ainda visíveis a algumas léguas de Guimarães. É preciso subir
muito para lá chegar, por caminhos de cabras, mas somos largamente
recompensados dessa dificuldade. Desde logo, não há ninguém, os Cook’s Tourist’s[1]
desdenham lugares tão distantes; em seguida, toda a província do Minho se explana
sob o olhar em dez planos sucessivos de montanhas, onde brilham todos os azuis
da criação, misturados com os melhores verdes de vegetação que é possível ver.
Existem inúmeras aldeias espalhadas entre os vales até Penafiel que se conseguem
distinguir, numa aberta, a mais do que doze léguas.
No que se refere a ruínas, são curiosas, mas sumárias: paredes em quadrado
ou em círculo, pouco saindo da terra e desenhando, no final do promontório,
pequenas casas, ou cabanas, e ruas ainda reconhecíveis pela sua calçada. Nenhum
traço de palácio ou grande edifício; os poucos fragmentos de arte que pudemos descobrir
estão em Guimarães. Os ibéricos que construíram esta aldeia de que encontrámos,
pelo menos, um plano intacto, eram, sem dúvida, meio selvagens, para não dizer
mais. Eles sabiam,
em qualquer caso, escolher os lugares.
Tendo, à descida, percebido um barulho estranho, reconheci que provinha
de uma pequena igreja, mesmo aos pés da Citânia. Era o dia da Ascensão, a
aldeia estava na missa: entrei. Da minha vida, não esquecerei esta orquestra alucinante,
composta por um violino, um trombone e um clarinete. Era, ao mesmo tempo,
infernal, ingénua e ridícula; todavia, o fervor e a convicção daquelas boas gentes
tudo acomodavam.
Os homens estavam à frente, perto do coro, e as mulheres, em massa
compacta, enchiam o resto da igreja, oferecendo, vistas de trás, as suas cabeças
cobertas com um lenço simples dobrado ao meio e amarrado sob o queixo. Ora,
esses lenços também formavam uma orquestra, mas de cores quentes e variadas,
que fazia esquecer a cacofonia da outra. De resto, todos os fiéis davam mostras
da mais profunda piedade e permaneciam ajoelhados sobre as lajes, durante toda
a missa.
À porta da igreja, voltámos a subir ao carro e, numa hora de caminho,
atravessando a modesta estância sulfurosa de Caldas de Taipas, estávamos em
Braga.
[1] Cook's Tourist's: guias
para viajantes, muito populares em finais do século XIX e princípios do século
XX.
Gérard de Beauregard e Louis de Fouchier, "Voyage
en Portugal: le nord", in Le Tour du monde : nouveau journal des voyages /
publié sous la direction de M. Édouard Charton et illustré par nos plus
célèbres artistes, Hachette, Paris, Tomo XIII, nova série, n.º 47, 1907, pp-561-562.
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