O Paço dos Duques, por Jerónimo de Almeida

Fachada  do lado do Poente do Paço dos Duques (à direita), no início do século XX


O terceiro capítulo das Breves considerações arqueológicas de Jerónimo de Almeida trata do Paço dos Duques de Bragança, tal com o ele o conhecia no início da segunda década de 1920: as ruínas de um palácio que nunca acabou de ser construído e que ia servindo de aquartelamento militar, cujo corpo voltado para o lado do nascente, com os seus magníficos janelões góticos, permanecia como a memória do que aquele edifício poderia ter sido, mas que nunca chegou a ser. As fotografias que escolhemos para ilustrar esta incursão arqueológico ajudam a perceber a realidade que Jerónimo de Almeida descreve.

Outra vista da fachada  do lado do Poente do Paço dos Duques, no início do século XX


Breves considerações arqueológicas — III

Paço dos duques de Bragança

Data do século XIV este agigantado e sólido edifício que fora mandado construir pelo primeiro duque de Bragança D. Afonso, filho do rei D. João I, e que em diversas gerações foi a nobre residência desses legítimos fidalgos.
Tendo servido de aquartelamento a vários corpos militares desde o ano de 1807, deu este facto origem a sucessivas e, por vezes, profundas reformas no vasto edifício, lesando assim quase totalmente a primitiva construção, restando, todavia, intacta e em estado de ruínas a mais bela parte dele.
A geral crueza de linhas e o aspecto desataviado de arquitectura que reveste as suas paredes não traduz, certamente, o luxo interno de que se deviam cercar esses grandes senhores da meia-idade.
Este palácio formado em quatro corpos, tendo ao centro um largo pátio, apresenta no frontal interior do corpo que olha para nascente um lindo pórtico composto de oito colunatas de mármore branco, sob graciosos capitéis em que assentam os respectivos arcos de ogiva, e ligava outrora com outras dependências que foram destruídas e ocupavam esse pátio. Dentro e logo defronte deparam-se os formosos janelões que, como o pórtico, representam uma delicada manifestação de estilo gótico.
Era ali a casa nobre desses paços, onde se davam brilhantes recepções a soberanos portugueses. Não é de estranhar, portanto, que fosse ordenado no artífice estilizar a frieza do granito em contornos floridos e esbeltos naquelas janelas, através de cujos vidros se coariam ondas claras e aniladas de luz que banhariam esses ricos aposentos.
A fachada exterior desta parte do edifício é constituída de três corpos salientes e dois reentrantes, rematando os das extremidades grandes cachorros que sustentavam largas varandas. Coroam estas paredes quatro chaminés de tijolos bem conservadas ainda e dispostas simetricamente.
Fachada do lado do Nascente do Paço dos Duques, no início do século XX. Em primeiro plano, casas da antiga rua de Santa Cruz.
Por dentro da parede que defronta com o pátio sobem estreitas escadas que davam acesso aos diversos andares (cujos pavimentos deixaram escritos vestígios nessas paredes) estando hoje, em parte, obstruídas. Na fachada para nordeste restam também algumas janelas que deviam ser o modelo das restantes de todo o edifício e que foram alteradas.
Porque esta é, realmente, a parte mais interessante e artística do velho palácio, para ela dirigi de preferência a minha atenção e aqui manifesto o meu desejo, por amor da arqueologia desta terra, — de que se poupe às reformas utilitárias e de lesa-arte, porque é um documento raro, entre nós, do florescente estilo gótico.
Essas contínuas e sensíveis modificações que sofreu este edifício, como já referi, não nos permitem actualmente fazer uma nítida ideia do que fosse primitivamente, na sua completa estrutura, apenas nos deixam entrever que ele era de proporções mais grandiosas do que se encontra. As esguias escadas em espiral do corpo de sudoeste são mais um curioso motivo de interesse. Pouco resta de original dentro deste; as necessidades da vida de caserna transmudaram inteiramente todo aquele enorme interior, aproveitando lhe unicamente as paredes de robusta espessura.
Contudo, a sobriedade, que era o característico deste palácio, patenteia-se perfeitamente e não será fácil mesmo apear pedra a pedra tão sólida construção!
Jerónimo de Almeida.

Alvorada, 4 de Março de 1911

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