O Castelo de Guimarães no início do século XX |
O primeiro monumento
sobre o qual Jerónimo de Almeida se debruçou foi, naturalmente, o castelo de Guimarães.
Aqui fica.
Breves considerações arqueológicas — I
Castelo
O vetusto castelo de
Mumadona, que sendo depois propriedade do Conde D. Henrique o herdara o nosso 1.º
rei, no estado actual em que se encontra assim tem atravessado longos anos de
vigorosa existência, sob as agrestes inclemências atmosféricas.
A sua ruína,
portanto, é relativamente pequena visando a sua antiguidade.
Contudo, encontrá-lo-íamos
mais conservado e completo se (como diz o Padre Caldas no Guimarães) grande porção de pedra que fazia parte do paço não fosse
aplicada na construção do convento dos Capuchos, nos anos de 166..., por
vandalismo dos seus frades. Este facto profundamente deplorável ainda nos
deixou, para memória, a parede exterior que liga com as muralhas e onde existem
as simples janelas romanas, com uma coluna ao centro e assentos de pedra
interiores.
O estado do mais,
conforme se encontra, não parece ameaçar derrocada, tão extraordinariamente sólida
era aquela monumental construção de pesado granito! A sua original beleza
perdura e perdurará através de muitas gerações, se o nosso desvelo e amor pelas
preciosas relíquias do passado nos não abandonar. Elias encarnam um feixe de
tradições e são um símbolo de glórias, e à face delas conseguimos desvendar os mistérios
que obscurecem, por vezes, o heroísmo de nossos antepassados. Conservá-las, por
isso, é, além dum dever patriótico, uma revelação de apreço à arte e à história,
ou, sintetizando — à arqueologia.
Mas não devemos
apenas contentar-nos em contemplar a graciosa silhueta das suas torres esbatidas
nos cambiantes de fogo dum crepúsculo outonal, e sim devemos visitar
temporariamente esse castelo roqueiro, como quem se interessa pela saúde duma pessoa
idosa. Amemo-lo como berço do fundador da nossa querida Pátria e como a mais
rara preciosidade da nossa terra, porque é o maior titulo de orgulho que nós
indicamos aos visitantes, o melhor brasão de nobreza da heráldica de Guimarães.
E eu não pretendo
mais que atear na alma de todos os meus patrícios esse afecto e esse carinho
pelo que nos legou o passado épico. Não basta conhecer a História, é necessário
amá-la; como? — cuidando dos padrões que ela imortalizou. Se deixássemos
desmoronar-se esse velho alcácer num montão de escombros silenciosos, todo esse
período longínquo se ofuscaria na nossa memória e em breve duvidaríamos das afirmações
históricas que lhe dizem respeito. Até a letra da mesma história apenas
narraria, aos nossos olhos, uma vaga lenda de inacreditáveis proezas
guerreiras, e o próprio D. Afonso passaria talvez a ser uma espécie de D. Quixote,
mais corajoso e menos fantasista...
Evocar, nessas ruínas
pitorescas, uma época remota, é receber uma lição emocionante dos tempos medievais,
dando-nos a conhecer, cronologicamente, esta intensa e constante evolução
social — material e moral.
Eu simplesmente
quero frisar, de passagem, (tão pouco permite-o bem a minha erudição) quais as
reparações ou reconstruções que há a realizar naqueles muros que, pelo andar
dos tempos, vários arquitectos têm
adulterado. Basta-me, para isso, uma fácil percepção que indica o seguinte:
— Tirar dos vãos das
ameias, sobre as muralhas, a argamassa que as encobrem em parte, desvanecendo-lhes
a graça; destruir uma pequena casa contigua ao paço e edificada sobre o adarve,
que a alguém pode suscitar dúvidas na sua origem, pois que tentaram
imprimir-lhe o carácter da antiga construção, nas portas em arco; mudar o paiol
da pólvora dali para fora, alagando igualmente a casa que a guardava; limpar, finalmente, tudo o que esteja
mascarando o antigo monumento na sua primitiva forma.
O paiol do antigo Regimento de Infantaria 20, no Castelo. |
Seria ingenuidade
desejar uma nova vida ao que o tempo enrugou; isto equivaleria a querer
infiltrar o vigor dos 20 anos a um velho de 80. Restitua-se-lhe unicamente a
sua originalidade, sem profanar o mais, e esta é uma obra bem singela.
A escada interior da
torre de menagem foi renovada completamente, podendo-se, portanto, subir ao
alto dela e desfrutar o soberbo panorama.
Conquanto isto se
não prenda com estas leves considerações, não me posso esquivar à tentação de
repetir uma vez mais, o que por outros tem sido proclamado, de que um belo
melhoramento da Câmara seria arrasar esses míseros casebres que circundam o
castelo, fazendo assim com que ele ressaltasse em toda a sua esplêndida nudez,
sobre as rochas que lhe servem de poderosos alicerces. Esta obra exterior viria completar a interior que eu venho aconselhando,
impondo-se desde logo. Não desespero, contudo. Mas quando este melhoramento se
realize, inste a nossa Câmara junto do Ministério da Guerra para que este
outro, dentro do monumento, se efectue a par e, assim, a obra seja completa. É
questão de um pouco mais de amor à terra. E porque esses monumentos são a
documentação viva da história e a factura artística dum povo, esta demonstração
de acrisolado culto será apenas uma justa prova de patriotismo, num novo
aspecto.
Como esses cacos e inscrições lapidares que sábios,
escavando no solo, descobrem e que vêm aclarar os espíritos nas investigações
das eras romanas, quando esses povos atravessavam a península espalhando as
sementes duma civilização que brilhara na Guerra, na Conquista e no Direito, — assim
em tempos posteriores, que as cruzadas à Terra-santa precederam, essas ruinas,
ainda tão expressivas, nos vêm renascer o século XII do princípio da nossa
nacionalidade, com o seu aspecto denegrido, como bronze, e a sua hera
ramalhetando-o.
Têm aparecido nos
terrenos adjacentes ao castelo, no sítio dos fossos, várias moedas que eu tive
ocasião de ver, e nalgumas das quais se distingue o escudo das quinas, uma
cruz, e numa delas apenas os algarismos 80, de que se pode deduzir o ano 1080.
Devia-se, por este motivo, proceder a uma cuidadosa escavação nesses fossos
hoje soterrados, e as moedas ou utensílios descobertos entregá-los à Sociedade
Martins Sarmento.
Jerónimo de Almeida.
Alvorada, 11 de
Fevereiro de 1911
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